INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS

Museu Victor Meirelles

Perturbações de um Retrato

Rosângela Miranda Cherem é Doutora em História pela USP e Doutoranda em Literatura pela UFSC, Professora de História da Arte no CEART/UDESC, possui publicações e pesquisas sobre História das Sensibilidades e Percepções.

A Morta, Victor Meirelles de Lima, s/d, Rio de Janeiro/RJ, Óleo sobre tela, 50,4 x 61,2 cm
A Morta, Victor Meirelles de Lima

I – Armadilhas de um retrato. Primeiro a surpresa de quem se depara com um enigmático perfil debruçado sobre uma almofada. Em seguida as divagações sobre um rosto que não é nem jovem e nem velho, nem masculino e nem feminino, adornado por uma cabeleira rala que alcança o ombro. Olhando o alvo colarinho masculino pode-se suspeitar do retrato em repouso de um dandi excêntrico, quem sabe os delírios de um extravagante boêmio de olhos encovados pela existência insone e desregrada, alguém mal adormecido ou sonâmbulo, talvez ferido num duelo ou gravemente enfermo. Mas a palidez lunar daquela face logo faz lembrar uma austera beata e, ao observar a única e discreta argola na orelha direita, não é impossível considerar a representação de uma infeliz solteirona. Talvez estejam sendo referidas as alucinações de uma prostituta após um aborto mal sucedido ou as desastrosas complicações de uma parturiente. Conjecturando sobre a compleição magra do corpo, seria admissível deslindar o desfecho de uma moribunda tísica ou sifilítica.

Mas um detalhe definitivo vindo de fora da tela impõe fim aos devaneios produzidos por aquele óleo sobre tela em formato ovalado, medindo 50,5 por 61,2 cm e assinado discretamente na altura mediana do lado direito. Trata-se de A Morta, pertencente ao acervo do Museu Víctor Meirelles em Florianópolis. A partir daí o olhar se reenquadra, ajustando-se ao escrito e mapeando a lateral direita do rosto, num espaço entre a testa ampliada, talvez pela queda capilar, e o queixo alongado, talvez pela abertura involuntária da boca. Assim surge o que parece ser um circuito vital interrompido: orifícios inoperantes por onde os cheiros e sons não são mais sentidos, tanto como o visto não pode mais ser dito. Curioso constatar que o exato meio da tela está localizado entre os lábios pálidos e o nariz afinado, no espaço vazio do buço, e que a narina dilatada parece apenas aumentar a constatação de que algo não pode mais ser alcançado pela consciência diurna. Sobre essa aparência, a sobrancelha, os cabelos e a vestimenta apenas assinalam o fundo diluído e ausente de perspectiva, através do qual cabe imaginar sem maiores esforços, o outro lado do rosto, como se a superfície carnal estivesse ao alcance de quem melhor se reposicionasse para enxergá-la por inteiro. Agora já não se trata apenas de uma cabeça vista lateralmente, mas de um corpo depositado sobre um leito, cujo travesseiro, fosco e sobriamente adornado, insiste em lembrar uma ausência de aconchego, cuja fria extensão quase se pode alcançar. Aos poucos a experiência visual acaba sendo assimilada pelo conteúdo da legenda. É quando finalmente os sinais que compõem o conjunto da tela se ressignificam pela textura porosa e mortiça, a temperatura cadavérica e as cores tumulares e ausentes de brilho. Então a surpresa dá lugar à constatação: é uma cena fúnebre que se apresenta naquele busto deitado, disposto de modo que o inerte, personificando a morte, está à altura de quem o observa.

Tal compreensão remete ao historiador de arte Louis Marin, particularmente no que se refere ao olhar que, atravessando a película da tela, desliza pela camada onde estão detidos os arrependimentos e esplendores, as rasuras e retoques, as espessuras e transparências até encontrar as dobras paradoxais da imagem. Operação em que estão contidos os jogos de reciprocidade entre presença–ausência, proximidade–distância, aparecimento-desaparecimento: “como as pálpebras fechadas num rosto adormecido, os lábios de uma boca entreaberta por um sopro sem voz (…)essa superfície pintada sela um misterioso segredo, a cripta onde ele será enterrado,enquanto o segredo tece apenas suas insinuações por essa superfície exposta ao olhar.”

Em clave semelhante, lembrando que a visão é invisível, o filósofo-escritor Maurice Blanchot assinala a arte como o lugar onde se instala o enigma do fim singular, duplicado na imagem não apenas como objeto que introduz na aparição do outro a indagação de sua própria morte, mas também como desdobramento que permite reconhecer na figuração do vazio e da superfície o que resta daquilo que não se pode compreender. Eis o espaço de devaneio, espécie particular de intervalo para onde são arremetidos tanto o pintor como o espectador, pura exterioridade e ausência lançadas sempre ao mais longínquo reino, onde as coisas e acontecimentos jamais se relacionam nem se equivalem. Morada da ferida produzida pela ruptura insolúvel e irreparável da completude, presença fantásmica de algo que faz falta e retorna, não como a primeira, mas como a última vista. Experiência semelhante a de quem olha na praia para um navio, desejando reter naquele instante o objeto amado que se distancia e parte com ele. Paradoxo da familiaridade na distância imemorial e extrema, mas também hiância interminável de quem pressente uma incomunicabilidade e compreende como Jean Genet que “sendo o que sou e sem reservas, minha solidão conhece a sua”.

II – Transbordamentos de um pintor. Muito se fala que Víctor Meirelles pintou seus quadros com base documental, priorizando os fenômenos do mundo visível. Inúmeros registros dão conta da exaustiva pesquisa de observação e do rigor no trato das evidências para a constituição de cenas históricas e das composições paisagísticas. É o caso da Primeira Missa no Brasil (1861), nascida após três anos de estudos minuciosos de várias obras européias com temática semelhante, além da leitura cuidadosa da carta de Pero Vaz de Caminha. Também é o caso das cenas navais como de Humaitá e Riachuelo, quando o pintor instalou seu ateliê por seis meses num navio da esquadra brasileira, durante combates com o Paraguai em 1868. Mesmo no caso de Moema (1866) é importante lembrar que a cena pictórica foi composta a partir da leitura do poema épico de Santa Rita Durão.

Seus registros biográficos dão conta de que, depois de inúmeros trabalhos que o consagraram como pintor da Corte, acabou premido pelos valores de fins do Império mas, manteve interesse pela verdade emanada da experiência visual, procurando encontrar alternativa à pintura histórica. Fundando uma empresa de panoramas, pretendia recolocar a pintura de paisagem, enunciada pelo seu olhar cartográfico desde os trabalhos dos tempos de adolescente, mas recombinada pela maturidade acumulada em seu repertório. Após a Proclamação, tendo sido jubilado da função de professor da Escola Nacional de Belas Artes e impossibilitado de ministrar aulas no Liceu de Artes e Ofícios, passou a expor um panorama do Rio de Janeiro numa rotunda de 360 graus, encontrando na cobrança de ingressos a fonte para seu sustento.

A nascente dessa lógica de sobrevivência, através do ofício artístico, remonta ao filho de comerciantes remediados que aos quatorze anos foi reconhecido em seu talento de desenhista por um conselheiro imperial de passagem pela pequena capital da Província de Santa Catarina, levando-o para estudar na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro. Assim, trata-se de uma subjetividade modelada desde cedo pela disciplina do aprendiz visando adquirir um saber que reconhecia como mais apurado e embasado num aprimoramento técnico admitido como mais consistente. Dono de incansável dedicação e absoluto comedimento quanto às demais atividades e dimensões de sua vida, o jovem Víctor Meirelles parece ter percebido que o reconhecimento de seus talentos era o único bilhete que dispunha para adentrar no diminuto circuito onde a arte formal era valorizada. Num país onde o lustro letrado e esse tipo de repertório era muitíssimo reduzido, a elite que o compunha não poderia ser contrariada e nem afrontada, cabendo ao artista atender da melhor maneira suas expectativas e gostos, única chance de obter premiações, ser contemplado com bolsas e poder avançar nos estudos, viver dignamente do ofício e, talvez desfrutando de certo prestígio, conseguir ascender socialmente.

Todavia, apesar do empenho e determinação sincera para atingir essa posição, parece que não apenas o destino não lhe contemplou com tal desfecho na velhice, como também nem toda sua criação se conformou dentro de tais expectativas. E assim, aquele que visava e era visado como paisagista histórico de grandes dimensões, também deixou certos registros e vestígios feitos com esmero naquilo que não cabia na modalidade escolhida oficialmente. Transbordando desses esforços, nos mesmos anos em que estudava pela Itália (1853 a 56) e França (1856 a 61), enquanto aprimorava seu olhar sobre a anatomia e o retrato, alguns rasgos escaparam de modo residual em trabalhos que acabaram relegados pela crítica e pelo público como sendo de somenos importância, exatamente porque não só não atendiam às demandas que lhe foram atribuídas como também não respondiam aos compromissos assumidos de modo mais explícito ao longo de sua carreira. Eis aqui o parentesco com Frenhofer, personagem especular de Balzac, no qual incide tanto o drama da criação como a complexidade da leitura da obra de arte e cujo alcance, quer no seu presente como na posteridade, implica em sua própria sobrevivência e salvação.

III – Viagens e derivações. Especialmente nos anos em que desfrutou de uma bolsa, concedida como premio pela Academia Imperial de Belas Artes para estudar na Europa, renovando-a por três vezes (1853 a 58,1858 a 60 e 1860 a 61), Víctor Meirelles parece ter percebido o lugar central que o olho desempenhava em sua vida, certamente à medida em que assimilava as implicações que a distância e a travessia oceânica produziram sobre sua maneira de olhar, interferindo sobre as possibilidades de seu destino artístico. Tal compreensão deve tê-lo acompanhado enquanto pintava, ora em óleo sobre tela, ora sobre cartão, onde os rostos e, em particular os olhos, ganhavam densidade emocional muito superior ao estudo de trajes, onde a cor, o volume e a textura deveriam predominar. Em cada caso, são sempre os laços, véus e chapéus, ou o próprio cabelo e as barbas que se constituem mais como extensão dramática do que como adereços. Nesse sentido, chama atenção um Estudo de traje italiano, feito em óleo sobre papel, datado circa 1854-1856, medindo 20,6 por 16,6 cm e não assinado, onde um corpo visto de costas mas com a cabeleira coberta e um rosto visto de perfil parece se refletir dentro de uma espécie de íris azul. Seria esse o retrato de uma jovem mulher ou a incorporação do olho do próprio pintor? Interessante observar que enquanto o olho da retratada, num castanho profundo e visto de lado, duplica-se de frente, numa espécie de céu noturno e imatérico para onde o corpo se dirige sem olhar, o retrato parece ser concebido como um olho gigante, abismo que fatalmente engolirá aquele corpo, sendo que agora é o próprio papel não tocado pela tinta que parece se constituir em moldura ou margem, ou seria pálpebra?

Buscando elementos para uma iconologia mais sofisticada, recusando a substância artística e a leitura ontológica que tornam a imagem refém de significados já dados, o filósofo-historiador Hubert Damisch registra o jogo de implicações recíprocas entre o que vê e o que é visto, remetendo a uma história de sensibilidades e percepções sobre a experiência do visível e considerando tanto as latências como os recalques, as renitências como as dessemelhanças, os vestígios como as potências. Na mesma clave, concordando que o que vemos, vale por tudo aquilo que nos olha, Didi-Huberman reflete que “A questão do retrato começa talvez no dia em que um rosto começa diante de mim a não estar mais aí porque a terra começa a devorá-lo(…). O que a terra preenche quando o rosto é escavado(…) é o que o retrato, com outros meios e para outros efeitos, preencheria também(…) um rosto que se ausenta: nos dois casos, uma morte significa-se pelo esvaziamento.”

De volta ao retrato de A Morta, impossível ignorar a presença das frestas ou fendas, abismo entreaberto num seu rosto pelo olho que, não mais podendo ver, ainda continua em posição de quem permanece vendo. Igualmente impossível ignorar sua boca lembrando a palavra que se apaga com o último sopro de respiração, tragada pelo instante infinito em que ocorre a derradeira ultrapassagem, devorada com o último ruído e expelida com o último sopro. Buracos reconhecidos não apenas como passagem entre interior-exterior, mas por onde se é tentado a expiar o mais estranho e misterioso instante, aquele que remete à experiência única e intransferível e recorda aquilo que não se pode ver duas vezes, lembrando o mais impenetrável dos lugares, espaço sem tempo para onde tudo conflui. Olho e boca entreabertos mas vistos de lado, objetos visuais inacessíveis, orifícios que existem mas que não podem ser encarados de frente, enigma sobre o inapreensível, que registra a presença do infinitamente ausente e autoriza um olhar pelo desvio, guardando os mistérios daquilo que um dia tudo tragará. Ponto inaproximável entre o pensamento e o apagamento, entre o orgânico e o não mais, ausência e vazio que não se deixam penetrar, portal inelutável do que não se pode confrontar.

IV – Um atlas de afecções. Levando a termo sua formação e assimilando as sensibilidades e percepções estéticas que confluíam para o século XIX, Víctor Meirelles parece ter trabalhado a injunção dessas diferentes concepções no âmbito do seu fazer artístico durante os anos de sua estadia européia. Mas é nos retratos que suas inquietações pictóricas mais irresolutas adquirem novas proporções, possivelmente à medida em que visitava museus e galerias e incorporava interlocuções ou recombinava soluções alheias, quer através das aulas, quer através dos debates e disputas que tomava conhecimento, ainda que como estudante estrangeiro, de modo tangencial e periférico. Desfrutando de experiências semelhantes, não se pode ignorar a presença de outros bolsistas brasileiros e com quem deve ter trocado suas afecções, dentre eles o paisagista e apreciador de naturezas mortas, Agostinho José da Motta. Em sua estadia de três anos pelas cidades italianas é possível que ambos tenham se deparado com as telas de Caravaggio e seu modo singular de produzir figurações, ignorando as hierarquias dos gêneros pictóricos e, particularmente explorando o memento mori, o qual desde o século XVII se desdobraria como natureza inerte ou inanimada. Se assim o fez, ao pintor brasileiro não deve ter escapado que, problematizando a ausência humana no mundo e o sentido simbólico da existência, o artista italiano buscava nos reflexos imprevisíveis e nos vestígios acidentais, os sinais da instabilidade e da finitude, traço comum e elo de ligação entre todas as coisas e seres viventes.

Convém lembrar que em meados do século XIX e em clave que tanto sabia distinguir decoração e ornamento, como também se recusava a transformar a experiência visível em algo unicamente visual, revisitando as fontes literárias e reivindicando a estética pré-rafaelita, o inglês John Millais pintou em 1852 aquela que por certo é sua morta mais famosa: Ofélia. No óleo sobre tela medindo 76 por 112 cm e cuja parte superior parece remeter ao arco de uma janela ou vitral, combinando precisão pictórica e imaginação, a personagem sheakespereana flutua sobre a água em que acabara de se suicidar, seguindo com os olhos e lábios abertos o mesmo curso das plantas numa espécie de último passeio pela natureza, cortejo fúnebre antes de se tornar matéria putrefata. Reconhecendo a multiplicidade de imagens e as possibilidades de transposição e recombinação pictórica, é preciso considerar os retornos que o jovem aluno deveria dar em termos de aproveitamento de seus estudos no privilegiado ambiente europeu, através de correspondências e relatórios enviados a sua instituição de origem. Importante assinalar que os efeitos dessas observações devem ter produzido no repertório do bolsista brasileiro certas particularidades estéticas, resultando num procedimento que, por vezes tendia à idealização e à abstração das cenas, contraponto às reduções da verdade ótica do realismo e bem ao gosto dos nazarenos e de seu professor de desenho em Roma, Tommaso Minardi.

Pertinente reconhecer que,no plano literário, a base da composição que remete à mulher morta parece se desdobrar desde a dramaturgia elizabetana, como por exemplo no caso do Rei Lear, especialmente numa passagem em que este se interroga diante do cadáver de Cordélia como um cão, um cavalo ou um rato poderiam estar vivos, enquanto sua amada estava perdida para sempre, ocasião em que o poderoso homem exclama desconsolado por diversas vezes a expressão nunca mais! Porém não se pode negar que, abandonando a temática das deusas e musas reclinadas sobre um leito, um número maior de protagonistas mortas se encontra sob um olhar masculino desde meados dos oitocentos. De Ema Bovary, descrita em sua tumba, à rigidez fria e pálida dos cadáveres femininos de Cruz e Souza, a galeria é extensa, bem como a variedade de fatalidades do destino a que pertencem. Do mesmo modo, a percepção em relação ao fenômeno do transitório e a sensibilidade em torno do registro do nunca mais aparece em poemas como o de Allan Poe intitulado O Corvo, datado de 1845 e retorna escrito de modo enigmático num quadro do simbolista Paul Gauguin em 1897 denominado Nevermore. Igualmente, se inscreve no sentimento de luto trazido pela modernidade, tal como em A uma passante, poema de Baudelaire em cuja estrofe final se lê
Longe daqui! tarde demais!,nunca,talvez! 
Pois de ti já me fui,de mim tu já fugiste ,
Tu que eu teria amado,ó tu que bem o viste!

Considerando uma época em que o pendulo estético se inclinava ora para o lado romântico à moda de Delacroix, ora para o lado pedagógico à maneira de Jacques Louis Davi, é preciso ainda destacar dois nomes, com os quais se Víctor Meirelles não conviveu, também não foi insensível a semelhante modo de perceber, especialmente considerando os cinco anos que morou na capital francesa. Um é Courbet, artista que em várias telas fez uma leitura sofisticada da verdade ótica, problematizando não só o olhar como também o próprio olhante, buscando através dos corpos femininos adormecidos a realidade nua da pintura, sua descrição carnal tangível, destituída de gravidade emocional. O outro pintor relacionado a essa leitura mais sofisticada dos fenômenos visuais é Manet, o qual preservou os pés bem fincados no Salão Oficial, mas cultivou admiradores e amigos artistas fora desse espaço, mantendo laços nos circuitos alternativos nascentes. Ao que parece, o recurso que lhe permitiu tal empreitada provinha das temáticas chocantes mas revestidas de um realismo que remetia a um saber fazer dentro da tradição pictórica e, ainda que de modo irônico, marcada pela certeza do olho, o conhecimento de anatomia, o uso de cores e perspectiva.

Retornando ao pintor brasileiro e seu retrato da mulher morta, merece destaque a involuntariedade expressiva de seu rosto e a sua economia cromática, priorizada menos pela variedade de colorações e mais pela riqueza de nuances do preto e do branco. Coeficiente entre o realismo ótico e a fatalidade romântica, a contemplação calculada e a intensidade da imaginação, aparição que se coloca entre os vestígios de um busto romano e a antecipação da fotografia tumular, aquela pequena tela em formato de camafeu ainda perturba em sua singularidade irredutível. Sutileza que ultrapassa tanto à leitura iconográfica como à iconológica e que remete à problemática das significações que incidem sobre a obra de arte, devolvendo-lhe inquietações e sobrecargas como atributos que lhe permitem ser infinitamente relida pelo jorro exponencial de significantes. Segredo de um exímio retratista, deixado ao alcance tanto daqueles que o conhecem como pintor de cenas e paisagens, como daqueles que sabem que sua pintura concede ao olho o poder de se mover e se deter sobre dimensões guardadas muito além do ponto para onde as linhas convergem.

Notas Bibliográficas

Balzac, Honoré de. A obra prima ignorada. São Paulo, Comunique, 1993.
Blanchot, Maurice. A conversa infinita. São Paulo, Escuta, 2001, p. 63 a 72
Damish, Hubert. L’origine de la perspective. Paris, Flamarion, 1993.
Didi-Huberman, Georges. O rosto e a terra: onde começa o retrato, onde se ausenta o rosto. In: Revista Porto Arte. Instituto de Artes, UFRGS, v 09. nº16, maio de 1998, p.62 a 82.
Genet, Jean. O ateliê de Giacometti. São Paulo, Cosac & Naify, 2000.
Gonzaga-Duque. A arte brasileira. Campinas, Mercado das Letras,1995, p.169 a 179.
Marin, Louis. Sublime Poussin. São Paulo, EDUSP, 2000, p 151 a 161
Mallmann, Regis. Biografia. In: Museu Victor Meirelles, 50 anos. Fpolis, Tempo Editorial, 2002, p.13 a 27.
Rosa, Ângelo de Proença & outros. Victor Meirelles de Lima, 1832-1903. Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982.