Módulo 3. Dimensão Política
De 16 de novembro de 2017 a 24 de fevereiro de 2018
Victor Meirelles como artista do Império. A Academia Imperial de Belas Artes e o cânone artístico do século XIX. Alunos de Victor e inovações estéticas. Pinturas históricas e a construção de uma identidade nacional.
Victor Meirelles reuniu ao longo de sua vida um grande repertório artístico, desenvolvido durante seus estudos e sua vida profissional. Victor foi um dedicado e rigoroso professor no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia Imperial de Belas Artes, além de um habilidoso pintor de paisagens, de panoramas e de retratos.
Mas foi com suas pinturas históricas que Victor alcançou renome, guiado pelo compromisso do Império brasileiro em construir uma identidade nacional. Suas obras de arte contam histórias, engendram discursos, negociam estética e politicamente com as relações socioculturais da segunda metade do século XIX no Brasil.
Uma obra de arte é sempre propositiva, muitas vezes agrada, é aprazível ou bela, mas não é incomum que procure causar sentimentos mais profundos no espectador, como a compaixão, o horror, a melancolia, a dúvida, o nojo, a liberdade. Nossa expressão artística é múltipla, dissonante, ora segue padrões e normas reguladas, ora distorce a tradição e o cânone, desarticulando conceitos e derrubando fronteiras.
Convidamos todxs xs visitantes a perceber a arte em sua dimensão política. Façam perguntas, arrisquem respostas, fundamentem suas ideias, respeitem e dialoguem com percepções diferentes da sua, busquem um pensamento mais crítico e aprofundado sobre a arte e sua relação com a vida em sociedade. Afinal, a quem interessa a despolitização da arte?
A AIBA e o cânone academicista
Victor Meirelles foi nomeado professor honorário da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) em 1861 e passa a orientar diversas gerações de alunos até o ano de 1890; a Proclamação da República e seus efeitos políticos, 1888, resultaram na demissão de Victor da instituição. O ensino na AIBA fundamentava-se em uma tradição francesa neoclássica, que valorizava o desenho figurativo, a perspectiva, o equilíbrio de formas, cores e luz. Ao longo do século XIX, o academismo da AIBA absorve movimentos românticos, realistas e impressionistas, num jogo contínuo de tensão e negociação estético-política entre mestres, alunos, críticos, sociedade e Estado.
Os ideais acadêmicos eram repassados ao público em geral pelas Exposições Gerais organizadas pela Academia. Pintores educados por seus mestres sobre o fazer artístico exibiam suas obras de arte. O público agora passa a ser educado pelo pintor sobre arte e sobre história nacional. Conceitos de arte mesclavam-se a conceitos sociais, sobre a educação e o pensamento político do período. Normas acadêmicas eram reproduzidas nos salões de arte estruturando os discursos estéticos bem aceitos em que, volta e meia, se apimentava o debate artístico sobre o que era ou não era considerado arte.
Arte e identidade nacional
A arte desempenha um papel de destaque no debate político no século XIX. Uma história exemplar brasileira passa a ser construída por imagens que representavam fatos históricos significativos à nação, como a Batalha dos Guararapes (1648-1649), a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) e a Primeira Missa no Brasil (1500).
Uma história escrita e pintada como alicerce do Império brasileiro de D. Pedro II. Uma nação monárquica, construída por heróis e pela união mítica do povo brasileiro (índio, negro e branco) contra a invasão holandesa. Um país unificado por um passado de vitórias militares, glorioso e imponente no contexto sulamericano. Uma terra cristã, com batismo celebrado em meio a uma natureza idealizada em que se plantando tudo dá…
As pinturas históricas selecionavam experiências humanas e as transformavam em memórias visuais, paisagens de uma história sendo fundada pela interferência do Estado com o interesse de orientar quais identidades deveriam ser socialmente compartilhadas. Uma arte nacional civilizatória. Didaticamente cívica.
Alunos e Professores
Pedro Peres
(Lisboa, Portugal, 1850 – Rio de Janeiro, Brasil, 1923)
Iniciou seus estudos artísticos no Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, em 1865. A partir de 1868 tornou-se aluno da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), com Victor Meirelles, Agostinho da Motta e Chaves Pinheiro. Durante o curso, recebeu menção em modelo vivo e pintura histórica (1873). Obteve, em 1874, medalha de prata em pintura histórica e, em 1876, grande medalha de ouro em pintura histórica e medalha de prata em modelo vivo.
Estudou em Paris entre 1879 e 1881 e tornou-se professor de desenho no Liceu de Artes e Ofícios em 1885. Em 1889/1890 foi professor honorário da AIBA, na cadeira de pintura, substituindo interinamente Victor Meirelles.
Segundo CAMPOFIORITO (1983), o “discípulo preferido de Victor Meireles foi Pedro José Pinto Peres (…). Via o mestre condições excepcionais no jovem aluno. Sua obra é numerosa, tanto no período à viagem ao estrangeiro como à sua volta. Foi um trabalhador constante e dedicou-se com entusiasmo à sua arte”.
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983.
Eliseu Visconti
(Salerno, Itália, 1866 – Rio de Janeiro, Brasil, 1944)
Nascido na Itália, Eliseu Visconti veio com a família para o Rio de Janeiro, entre 1873 e 1875 e, em 1883, começou a estudar no Liceu de Artes e Ofícios, com Victor Meirelles e Estêvão Silva. No ano seguinte, sem deixar o Liceu, ingressou na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA).
Em 1888, deixou a AIBA para integrar o Ateliê Livre, que tinha por objetivo atualizar o ensino tradicional. Com as mudanças ocorridas com a Proclamação da República, a AIBA transformou-se na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Visconti voltou a frequentá-la e obteve, em 1892, o prêmio de viagem ao exterior, indo a Paris onde cursou arte decorativa e na École Guérin, com Eugène Samuel Grasset, um dos introdutores do Art Nouveau na França. Foi à Madri, onde realizou cópias de Diego Velázquez, no Museo del Prado e à Itália, onde estudou a pintura florentina.
De volta ao Brasil em 1900, venceu o concurso para selos postais e cartas-bilhetes, em 1904. Em 1905 realizou painéis para a decoração do Theatro Municipal. Entre 1908 e 1913, foi professor de pintura na ENBA, cargo a que renunciou por descontentamento com as normas do ensino. Para alguns teóricos, Eliseu Visconti foi um praticante do Art Nouveau e do desenho industrial e gráfico no Brasil, com obras em cerâmica, tecidos e luminárias.
Antônio Diogo da Silva Parreiras
(Niterói, Brasil, 1860 – idem, 1937)
Antônio Parreiras iniciou seus estudos artísticos como aluno livre na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), no Rio de Janeiro, em 1883, onde permaneceu até meados de 1884. Foi aluno de Victor Meirelles e frequentou a disciplina de paisagem, flores e animais, ministrada por Georg Grimm.
Desligou-se da AIBA por discordar do ensino oferecido, e passou a integrar o Grupo Grimm ao lado de Castagneto, Caron, Garcia y Vasquez, dentre outros, dedicando-se à pintura ao ar livre. Em 1888, foi para a Itália, onde por dois anos frequentou a Accademia di Belle Arti di Venezia, tornando-se discípulo de Filippo Carcano.
De volta ao Brasil, em 1890, tornou-se professor de paisagem na AIBA, mas após dois meses de seu ingresso, desligou-se da instituição por discordar da reforma curricular promovida em novembro daquele ano. No ano seguinte, fundou a Escola do Ar Livre, em Niterói, Rio de Janeiro. De 1906 a 1919 viajou frequentemente a Paris, onde mantinha ateliê. Recebeu, em 1911, o título de delegado da Sociéte Nationale des Beaux Arts, raramente concedido a estrangeiros. Em 1926, lançou seu livro autobiográfico História de um Pintor Contada por Ele Mesmo, com o qual ingressou na Academia Fluminense de Letras. Fundou o Salão Fluminense de Belas Artes, em Niterói, em 1929. Em 1941, sua casa-ateliê, na mesma cidade, foi transformada no Museu Antônio Parreiras, com o objetivo de preservar e divulgar sua obra.
Décio Rodrigues Villares
(Rio de Janeiro, Brasil, 1851 – idem, 1931)
Formado pela Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), no Rio de Janeiro, Décio Villares estudou também na Europa, intercalando idas e vindas entre 1872 e 1881. Aluno de pintores consagrados como Victor Meirelles, Alexandre Cabanel e Pedro Américo, foi classificado em primeiro lugar em concurso para professor da Académie des Beaux-Arts de Paris, mas rejeitou o cargo por não querer se naturalizar francês. Na França, aderiu a teses positivistas.
Retornou definitivamente ao Brasil em 1881 e passou liderar, em 1888, o grupo dos positivistas que se contrapunham aos modernistas e às reformas que eles exigiam que fossem implementadas na AIBA. Passou a desenhar caricaturas para jornais satíricos e, em 1889, participou da concepção da bandeira brasileira.
Expôs em 1874, no salão de Paris, o quadro Paolo e Francesca da Rimini. Participou da 25ª e da 26ª Exposições Gerais de Belas Artes na AIBA. Parte de suas obras se perdeu quando sua esposa pôs fogo no ateliê do artista, logo após a sua morte.
Belmiro de Almeida
(Serro, Brasil, 1858 – Paris, França, 1935)
Belmiro de Almeida frequentou o Liceu de Artes e Ofícios e a Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), entre 1869 e 1880, no Rio de Janeiro, onde estudou com Victor Meirelles, Agostinho da Motta, Zeferino da Costa e José Maria de Medeiros.
Em 1878, estudou com Henrique Bernardelli e Rodolfo Amoedo no Ateliê Livre. Lecionou desenho no Liceu de Artes e Ofícios, de 1879 a 1883, e na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), de 1893 a 1896. A partir de 1884, passou a viver entre Paris e Rio de Janeiro. A primeira viagem a Paris, em 1884, resultou num redirecionamento estético em seu trabalho, consequência do estudo e contato com obras de artistas e intelectuais que renovaram a arte do período: Édouard Manet e Edgar Degas na pintura e Gustave Flaubert e Émile Zola na literatura.
Em sua segunda estada na capital francesa, iniciada em 1888, entrou em contato com Georges Seurat na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e estudou pintura com Jules Joseph Lefebvre e B. Constant et Pelez, aproximando-se de vertentes pós-impressionistas. No Rio de Janeiro, trabalhou como caricaturista em diversas revistas, como Comédia Popular, Diabo a Quatro, A Cigarra, Bruxa e O Malho. Fundou os periódicos Rataplan e João Minhoca, entre 1886 e 1901. Foi um dos criadores do Salão dos Humoristas, em 1914, e membro do Conselho Superior de Belas Artes, de 1915 a 1925.
Oscar Pereira da Silva
(São Fidélis, Brasil, 1867 – São Paulo, Brasil, 1939)
Pintor, decorador, desenhista, professor. Entre 1882 e 1887, estudou na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), onde foi aluno de Victor Meirelles, Zeferino da Costa, Chaves Pinheiro e José Maria de Medeiros. Em 1887, tornou-se ajudante de Zeferino da Costa na decoração da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro.
Conquistou o último prêmio de viagem ao exterior concedido pelo imperador Dom Pedro II, transferindo-se para Paris em 1889. Estudou com os pintores Léon Bonnat e Jean-Léon Gérôme. No período em que permaneceu na França, produziu diversos estudos e telas. Retornou ao Brasil em 1896.
No Rio de Janeiro, realizou uma exposição individual no salão da Escola Nacional de Belas Artes, onde foram apresentados 33 trabalhos feitos na Europa. No mesmo ano, transferiu-se para São Paulo. Lecionou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e no Ginásio do Estado, e ministrou também aulas particulares em seu ateliê. Em 1897, fundou o Núcleo Artístico, que, mais tarde, se transformou na Escola de Belas Artes, onde foi professor. Entre 1903 e 1911, trabalhou na decoração do Theatro Municipal de São Paulo, elaborando três murais: O Teatro na Grécia Antiga, A Dança e A Música. Entre 1907 e 1917, realizou pinturas para Igreja de Santa Cecília. Como pensionista do Governo do Estado de São Paulo, viajou a Paris em 1925.
Léon Cogniet
(Paris, França, 1794 – Paris, França, 1880)
Mestre de Victor Meirelles na École Impériale et Spéciale des Beaux-Arts, Léon Cogniet foi reconhecido como um notável retratista, paisagista e pintor de gênero. Após estudos na Villa Medici, onde funcionava a Academia Francesa de Artes em Roma, retornou a Paris e expôs nos Salons de 1822 e 1824. Seu sucesso lhe valeu numerosas encomendas destinadas à igreja Saint-Nicolas-des-Champs, ao Conselho de Estado, ao Museu do Louvre, ao Museu Histórico de Versailles e à igreja da Madeleine.
Cogniet estudou no ateliê de Pierre-Narcisse Guérin (1774-1833), matriz da pintura romântica francesa, tendo formado artistas como Eugène Delacroix (1798-1863). Uma das obras mais conhecidas de Cogniet é Le Tintoret Peignant sa Fille Morte, 1843, que aborda o desaparecimento precoce da filha de Tintoretto. A temática da morte seria frequente no repertório dos artistas desse período e Victor Meirelles pode ter sido influenciado por ela, em especial, com “A Morta”. Cogniet foi colega de estudos de Theodore Géricault (1791-1824) e Ary Scheffer (1795-1858), ambos copiados por Victor Meirelles (como a pintura “As Mulheres Suliotas” de 1827).
Este estudo, pintado a óleo sobre madeira, representa a carruagem de Apolo, como mostra o clarão no entorno da figura sobre a biga, os quatro cavalos que a conduzem bem como as tochas carregadas pelos anjos.
Tommaso Minardi
(Florença, Itália, 1787 – Roma, Itália, 1871)
Tommaso Minardi (Florença, Itália, 1787 – Roma, Itália, 1871) estudou arte e desenho na escola de Giuseppe Zauli. Desenhista extremamente hábil, tinha predileção pelos temas históricos e literários. Entre 1819 e 1822 Minardi foi diretor da Accademia di Belle Arti di Perugia e professor de desenho na Accademia di San Luca, em Roma.
Minardi formou um grupo de puristas contrários a inovações estéticas como Salvatore Betti, Borgnesi Perticari e Biondi. Entre seus inúmeros e ilustres alunos esteve Victor Meirelles, em 1854, durante seu pensionato na Itália. Foi durante esse período em Roma que Victor Meirelles passou a se identificar com as preocupações puristas, tais como a busca pela leveza das linhas, a abstração ideal e a concepção geometrizada dos volumes. Estes conceitos podem ser identificados nos seus estudos de traje italiano (1854/1856), no delicado tratamento da natureza presente na Batalha dos Guararapes (circa 1874/1878), na Primeira Missa do Brasil (circa 1859/1860), em Moema (1866), nos Panoramas do Rio de Janeiro (1887-1888) e, sobretudo, na Degolação de São João Batista (circa 1855).