INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS

Museu Victor Meirelles

Exposição “O Jardim Colaborativo de Fritz Müller” de Yara Guasque

Na próxima quarta-feira, dia 22 de fevereiro, às 18 horas, será aberta no Museu Victor Meirelles a exposição O Jardim Colaborativo de Fritz Müller, de Yara Guasque. Antes, às 17h acontece o tradicional Encontro com a Artista, onde a pesquisadora conversa com o público sobre a sua obra e trajetória. O Encontro terá ainda a participação de Kaue Costa, coautor da videoinstalação O Jardim Colaborativo de Fritz Müller em OpenFrameworks.

A data de abertura foi escolhida como homenagem a Victor Meirelles, pela passagem de 114 anos de morte do artista, ocorrida em 22 de fevereiro, no Rio de Janeiro.

Bathysa australis + Marlierea pseudobscura sp. Nov Yara Guasque  -  2017 - 2 Fotografias  (impressão com pigmento mineral sobre papel japonês Kozo) Dimensões: 46,0 x 62,0 cm
Bathysa australis + Marlierea pseudobscura sp. Nov
Yara Guasque – 2017 – 2 Fotografias
(impressão com pigmento mineral sobre papel japonês Kozo)
Dimensões: 46,0 x 62,0 cm

O Jardim Colaborativo de Fritz Müller é um diminuto inventário da flora catarinense do século XIX, formado através do corpo de três instalações e cinco fotografias. As imagens, que são sobre os espécimes da flora catarinense enviados ao exterior, testemunham a interlocução entre dois naturalistas da época, Fritz Müller de Santa Catarina, à margem dos centros, e Charles Darwin da Inglaterra, e evidenciam as redes de colaboração do passado e do presente.

Nesta exposição a artista mostra o processo de transplantação do espécime vivo em uma inscrição abstrata, e vice-versa, e chama a atenção para a disputa dos direitos autorais travada pelos institutos de pesquisa. Também propicia ao visitante o reconhecimento dos espécimes que ainda hoje podem ser encontrados na mata.

O jardim como exposição foi se delineando quando a artista revisitou a casa do naturalista em Blumenau. “Lá na propriedade à beira do rio, que muitas vezes lambeu suas margens arrastando barro, árvores e livros, pedaços das moradias improvisadas, o jardim está abandonado. Jardim que outrora foi um quase-laboratório, o lugar de pesquisa quando Fritz Müller foi exonerado de seu cargo de naturalista do Museu Nacional do Rio de Janeiro, passando a se dedicar às plantas, ali cultivadas, com o propósito de facilitar a observação e sua transcrição”, revela Guasque.

Nas instalações de O Jardim Colaborativo de Fritz Müller, nas versões de 2013, montada na Universidade Federal de Santa Maria/RS, que se constituia só de vasos adesivados, e na de 2015, que somavam aos vasos adesivados o vídeo de mesmo nome, exposta em Factors 2.0 também em Santa Maria, e Eis Senão Quando, em Florianópolis/SC, Yara Guasque abriu a possibilidade de colaboração para expandir a coleção, incitando os visitantes a transplantarem “mudas” encontradas online em vasos adesivados de QRcode.

A versão da instalação agora apresentada no Museu Victor Meirelles, em coautoria com o artista e desenvolvedor de software Kaue Costa, que faz a programação em Open Frameworks, projeta a sombra dos visitantes como recortes do original em cores sobre a versão do vídeo em branco e preto.

Vista da exposição
Vista da exposição

O Jardim Colaborativo de Fritz Müller surgiu primeiramente como um vídeo, em agosto de 2013, quando Yara Guasque fez a captura em vídeo do monitor mostrando sua busca online no Google Images, dos espécimens coletados por Fritz Müller na Mata Atlântica que foram enviados à Europa no século XIX através da correspondência documentada entre os dois cientistas. “Oxalis, Cassia, Maxillaria, Plumbago, Coccocypselum e Lobelia entre outras, foram plantas discutidas em suas cartas. E é interessante considerar, e mesmo emocionante saber que, nos dias de hoje, descendentes de plantas destas trocas de sementes, pólens, bulbos etc, possam estar vivas tanto na Inglaterra quanto aqui no Brasil.” (ZILLIG, Cesar. Dear Mr. Darwin. A intimidade da correspondência entre Fritz Müller e Charles Darwin. São Paulo: Sky/ Anima Comunicação e Design, 1997, p. 76).

O vídeo captura no monitor imagens estáticas de diversas fontes, fotografias, desenhos e gráficos sendo roladas, junto a imagens autorais de vídeo realizadas por Yara in loco, na casa de Fritz Müller em Blumenau. Depois, em 2015, a artista recaptura diretamente pelo computador a projeção deste mesmo vídeo sobre uma casinha de madeira, que fica à beira de um riacho. O movimento das imagens na web se fundiu pela recaptura ao movimento das árvores ao redor, balançadas pelo vento no cair da noite. “Obtive assim a homogeneização entre imagens muito nítidas e outras difusas”, analisa.

O vídeo Herbário, da instalação que leva o mesmo nome, se baseia nas plantas coletadas pelo naturalista Fritz Müller e que constam dos arquivos do herbário Kew Royal Botanic Garden, na Inglaterra, que a artista pesquisa desde 2010. No início somente cinco imagens de plantas puderam ser identificadas como sendo coletadas por Fritz Müller. Mas à medida que as instituições disponibilizaram o registro imagético das plantas desidratadas este número cresceu para 205. “O vídeo exposto em monitor de LCD de 42 polegadas dentro de uma casinha de madeira sobre cavaletes, metaforicamente simula a precariedade e a falta de conforto que a obstinação de Fritz Müller impôs a ele e à sua família, sofrendo as enchentes do Rio Itajaí, o que o levou a perder quase todos seus livros”. É da modéstia e do esquecimento que a instalação fala. “No tocante à produção de conhecimento científico Fritz Müller figura como um dos mais modestos cientistas, tendo trabalhado com apenas uma mesinha e um microscópio da marca Schiek, produzido na Alemanha, que ganhou de Max Schultze em 1857. Em seu contexto de vida foi o parco salário que recebeu por anos do Museu Nacional do Rio de Janeiro (1876/1891), como naturalista, que o permitiu fazer a assinatura da Nature, publicação importante para a atualização do conhecimento científico”.

“Herbário”, 2017, Vídeo instalação (vídeo em monitor LCD de 42 polegadas dentro de uma casinha sobre cavaletes junto a plantas desidratadas), Dimensões da casinha: 160,0 x 126,0 x 67,0 cm, Vídeo: “Herbário”,  2016, 40’46”
“Herbário”, 2017, Vídeo instalação (vídeo em monitor LCD de 42 polegadas dentro de uma casinha sobre cavaletes junto a plantas desidratadas), Dimensões da casinha: 160,0 x 126,0 x 67,0 cm, Vídeo: “Herbário”, 2016, 40’46”

Também as plantas desidratadas do herbário, nas fotografias, são vistas sob a ótica de um vidro sujo e fungado. “Os fungos dos vidros falam de um duplo abandono: o da vida pessoal de Fritz Müller longe de sua terra natal, Alemanha, e do círculo de cientistas e instituições que o legitimariam, e que possivelmente seriam melhores interlocutores do que os colonos da recém Blumenau, e o de seu jardim que ainda segundo a artista não mereceu a atenção devida, mesmo tendo toda a propriedade se tornado o Museu de Ecologia Fritz Müller.”

A exposição destaca um certo colecionismo, onde se entrecruzam os aspectos biológico e social, além da simbólico que hoje percebemos como poético, mostrando as condições materiais de produção de conhecimento do Brasil em tempos de colonização no século XIX. “Um jardim é uma experiência de imersão em um determinado colecionismo. Minha coleção resulta da busca que realizei na internet, das plantas desidratadas arquivadas no Royal Botanic Garden de Kew, e que são acessíveis e ‘transportáveis’ por meio da leitura dos QRcodes com os aparelhos móveis no Museu Victor Meirelles, em Florianópolis. Fruto de uma pesquisa de vários anos e percursos, revisitando a casa e o jardim hoje abandonado de Fritz Müller em Blumenau, que ele construiu à beira do Rio ‘Itajahy’, que foi um dos sítios de várias de suas buscas. Expõe a coleção de carimbos relativos à disputa da propriedade intelectual do herbário e outras instituições de pesquisa do passado, e as recentes que agora se debruçam sobre este material. Faz reviver o olhar minucioso do ‘príncipe dos observadores’ imerso na Mata Atlântica na recaptura das imagens no Google dos espécimes coletados e enviados por carta, seja no herbário do Royal Botanic Garden de Kew, Inglaterra, seja na captura dos espécimes vivos que identifiquei dentre aquelas arquivadas no Kew, e que foram possíveis de serem reconhecidas em minha caminhadas em Florianópolis”.

Yara Guasque é artista e pesquisadora independente. Licenciada em Artes Plásticas pela FAAP/SP, mestre em Literatura pela UFSC, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e pós-doutora Estética e Comunicação pela Universidade de Arhus, Dinamarca.

A exposição O Jardim Colaborativo de Fritz Müller faz parte do Projeto Memória em Trânsito, cujo objetivo é propor uma reflexão sobre os artistas catarinenses, dos quais o Museu Victor Meirelles possui obras em seu acervo, numa tentativa de ampliar o entendimento da poética que envolve a produção desses artistas.

A mostra fica no Museu Victor Meirelles até 15 de abril de 2017. A entrada é gratuita.


O Jardim Colaborativo de Fritz Müller
Exposição de Yara Guasque
Dia 22 de fevereiro, quarta-feira, às 18 horas
Encontro com a Artista, às 17 horas
Museu Victor Meirelles
Rua Rafael Bandeira, 41 – Centro – Florianópolis
Tel.:  48  3222-0692