INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS

Museu Victor Meirelles

n. 1 – Depoimentos

Revista Eletrônica um ponto e outro nº 01 – Leonílson

Revista do programa de exposições do Museu Victor Meirelles

Depoimentos

Costuras emocionais

Muitas chaves são necessárias para desvendar o homem e o artista. Não é diferente em Leonilson, cuja produção marcada pelo tom biográfico é capaz de tocar de imediato, quase todo mundo. Mais do que isso, vida e obra, parecem carregar um potencial de destravamento. Sensibilizado, o público atende, por via direta ou transversal, a um suposto convite que resulta na criação de uma outra poética – a do espectador, que se traduz em palavras, gestos, silêncio, síntese, expansão efusiva da emoção. A constatação é visível num conjunto de depoimentos em que os convidados ficaram totalmente livres para falar da experiência diante da obra do artista, apontada – aqui – como uma “explosão de sensibilidade”.

“Conheci Leonilson porque ele me ligou por ocasião da mostra que realizamos chamada Pintura como Meio no Mac da USP em 1983 (eu, Sergio Romagnolo, Sergio Niculicheff, Ana Tavares e Ciro Cozzolino), disse que queria me conhecer e marcamos um encontro na casa-atelier dele que ficava na Vila Mariana. Não sabia bem o que esperar daquele encontro mas, tivemos o que poderia se chamar de uma conexão imediata. Nas semanas seguintes apresentei o Sergio a ele e nos tornamos por um certo e até longo período inseparáveis, em geral sempre na casa dele prá onde até, o Sergio depois se mudou. Todos eramos muito jovens na época e eu não tinha a dimensão, que agora tenho, de quão raro é a gente encontrar alguém com quem nos identificamos tanto. Mesmo com divergências ocasionais seguimos como um grupo espontâneo ao qual em seguida se ligaram o Eduardo Brandão e o Jan Fjeld e juntos passamos pelo que mais tarde veio a ser chamado de “Geração 80” e mais um turbilhão de exposições e festas de todo tipo. Havia uma clara sintonia ideológica na nossa produção artística, do tipo que não pode ser definido em palavras uma vez que o nosso assunto é imagem.”

Leda Catunda, artista

“Gotas de cristal sobre lona, Voilà mon coeur, um travesseirinho lilás bordado assim: Ninguém. Grafitos cosidos de agulha e linha no vestido da noiva, fios tecidos sobre tecidos lisos, inteiros de cor, entretecidos de texturas, voile pleno de escrituras mínimas para o olhar nostálgico de dedais dourados e prateados. O frio lá de fora traz a luz que entra pelo vidro da janela e aquece a máquina Singer a pedal, cheiro de óleo, os moldes pendurados com alfinetes atrás da porta do quarto de costura, a régua amarelada de madeira, a fita métrica em segmentos de verde e vermelho: riscas, gatos, torres, barcos a giz. Alinhavados, cortados a tesoura, a faca. Leonilson, o ponto-em-cruz, os espinhos da coroa furam a cabeça de Cristo e o coração dele sangra, tua delicadeza, teu traço tênue e vigoroso afagam meu rosto, me enternecem e apontam: cão, grito, brisa, na doçura infantil de sortir arquétipos com mão de sonho.”

Dagoberto Bordin, jornalista, professor

“Leonilson é uma explosão de sensibilidade na construção de uma poética própria, rara, sincera, autêntica, repleta de aflições, angústias, paixões, medos, gritos e silêncios… É emocionante e nos faz pensar… Nos faz sentir ‘com um oceano inteiro para nadar’… “

Charles Narloch, diretor-executivo da Fundação Cultural de Joinville e curador independente

“Poeta que costura iconografias da metrópole através de linhas, cores, desenhos e amores. Sua obra está permeada de signos, ícones, símbolos de uma sociedade que insiste em marginalizar e discriminar o ser humano. Com seu olhar poético, seu imaginário pessoal, busca velar e revelar, tornar visível o invisível para que possamos ser tocados, acordados. Um anjo que guia nosso olhar pela angústia, dor, desejos e segredos humanos. Seu suporte parece ser o próprio corpo humano – seu corpo, nosso corpo. Uma obra que contém a memória da vida pulsante no corpo, na alma. A costura da alma, pela alma, na alma.”

Franzoi, artista plástico e professor

“Estive no Projeto Leonilson em junho deste ano, em conversa com a presidente Ana Lenice de Fátima Dias Fonseca da Silva, que é também irmã de Leonilson. Buscávamos uma troca de informações e uma cooperação técnica já que, assim como o Projeto Hélio Oiticica, o Projeto Portinari, a Fundação Iberê Camargo, o Instituto Luiz Henrique Schwanke e a Fundação Hassis, possuímos muitas coisas em comum. Todas estes projetos surgiram a partir de um artista que legou um importante acervo. Esse é um movimento que começou na década de 1970 e que cada vez mais ganha força: a constituição de fundações, institutos e associações para buscar dar conta de acervos pessoais. A equipe do Leonilson já está na luta desde 1993 e surgiu entre os familiares e amigos do artista logo após a sua morte para buscar preservar, estudar e difundir a obra do artista. Assim como o Projeto Hélio Oiticica no Rio de Janeiro, eles têm conseguido manter a obra de Leonilson em diversas exposições seja no Brasil, seja no exterior. O trabalho está bastante avançado no que diz respeito a catalogação das obras do artista. Foi criado um banco de dados específico para atender as necessidades de um acervo múltiplo como o de Leonilson, que possui telas sem chassis, tecidos bordados, instalações, objetos, entre outros, o que demanda todo um trabalho museológico bastante específico. O Projeto Leonilson fica em uma pequena casa na Vila Mariana, em São Paulo, bastante próxima ao Museu Lasar Segall. Na casa se encontram trabalhos do artista, mapotecas e computadores para trabalho. O local não funciona como um museu propriamente dito mas recebe algumas visitas. É mais um escritório, uma base de encontro e de trabalho para a equipe. O Projeto é um exemplo para tantas outras iniciativas neste sentido.”

Fernando C. Boppré, diretor do Museu Hassis

“Na exposição ‘Novos Territórios’, em 1995, o Janga escreveu uma matéria no ‘DC’ em que ele dava uma opinião bem ácida sobre todos os artistas. Comigo ele foi bastante generoso, mas sobrou numa legenda de foto. No texto estava tranqüilo, mas na legenda estava assim: Lindote finalmente livre, liberto ou exorcizado, não sei, do fantasma de Leonilson. Ele nunca tinha falado, aliás, que eu o imitasse. Eu não sabia que rolava isso. Partilhávamos do mesmo vocabulário do Leonilson, uma questão de geração. O Leonilson desenhava e pintava um tipo de coisa, mas não foi ele quem inventou, ele repicava coisas principalmente dos anos 1970 e todos nós fazíamos isso. Só que, lógico, ele era muito conhecido, então ficava em cima dele o holofote. Para mim, Leonilson era um modelo como artista. Eu achava legal a sua inserção, o tom de brincadeira. Falo do Leonilson do início, com aquelas pinturas depois de sua ida à Europa, aqueles linóleos, que eu também usava, e pintava solto, como todo mundo fazia. Não era só o Leonilson que pintava num pedaço de linóleo e grudava na parede. No Brasil, os famosos, Leda Catunda e Sergio Romagnolo, por exemplo, todo mundo fazia do mesmo jeito. A gente tinha também o direito de fazer, era uma questão da época. Além de gostar do repertório inicial, em que, assim como os europeus pegavam seus modernismos, ele brincava em alguns trabalhos com o modernismo brasileiro. Depois, ele foi abandonando isso. Mas no início tinha, ele botava uns sapos, uns bichos e tal. Então, fiz os meus sapos também, daí talvez essa coisa de talvez eu imitar o Leonilson. Acho que para todo mundo desta geração ele uma espécie de herói, porque era o bem-sucedido, desfrutava do mercado, impunha outro olhar ao circuito que era super carruncudo. Vendia arte conceitual e derivados, de super qualidade, não dá para duvidar disso, com Cildo Meireles, Tunga, etc. mas uma arte muito cerebral, de pensar e tal. E, aí assim, com Leonilson é possível fazer algo mais relaxado e divertido. Era admirável ver ele inserindo esse humor em galerias grandes, em publicações. O fato do Museu Victor Meirelles trazer a primeira exposição de Leonilson para Santa Catarina dá visiblidade à qualidade de sua obra. É um lucro, é bem significativo as pessoas, que não viajam tanto, poderem ver a produção. O pessoal do interior do Estado pode vir a Florianópolis com mais facilidade do que ir a São Paulo. É uma individual, um apanhado legal, são obras pequenas para caber ali. O outro aspecto é que exposição deste tamanho, desta importância contribui para o circuito. E fico contente por ser no Victor Meirelles, porque daí sei que a montagem e todos os detalhes importantes estarão bem atendidos.”

Fernando Lindote, artista e curador

“Sou totalmente fascinada pela obra do Leonilson. Pela contemporaneidade que fala de emoções, tristezas e alegrias comum aos indivíduos do nosso tempo e que se permitiu falar delas. Por sua linguagem simples densa e completamente plástica, por ter uma simbologia de fácil entendimento levando o espectador a compartilhar seus sentimentos na leitura da obra. Pela simplicidade de conteúdo e sobretudo no uso do material, popular e doméstico. Por sua visibilidade clara e visualidade limpa nas formas e imagens. Por ser um artista brasileiro com dimensão universal. Por isto e por muito mais aprecio a poética de Leonilson que está presente em cada ponto do seu bordado ou em cada linha dos seus desenhos.”

Linda Poll, artista plástica, atua como professora em Jaraguá do Sul e Joinville.