Uma das características da pintura romântica dos séculos XVIII e XIX é a reverência à natureza. Nas obras do alemão Caspar David Friedrich (1774 – 1840), por exemplo, é comum a presença de personagens solitárias, em escala diminuta, contemplando rochedos abissais sob um céu carregado de nuvens. Em muitas telas românticas, a figura do pintor é representada junto de seu cavalete, de costas para o espectador, voltado para a vista que procura capturar. Nessas obras, diante de uma paisagem sublime, o indivíduo tem papel secundário e, por isso, permanece plácido e inocente.
Interessante notar que diversos fotógrafos do século XIX, quase sempre pautados nos esquemas de composição da tradição pictórica, repetiam essa mesma cena produzindo imagens em que um ou mais fotógrafos aparecem de costas, olhando para a natureza e acompanhados de suas câmeras. Um exemplo é a produção do brasileiro Marc Ferrez (1843 – 1923) que tantas vezes registrou o Rio de Janeiro mostrando em primeiro plano um fotógrafo que visava, tal como ele, a beleza do lugar.
Os trabalhos de Fabiana Wielewicki falam da impossibilidade do artista contemporâneo permanecer nessa atitude de benevolência. Como os agentes do Romantismo, ela se auto-retrata de costas, mas a proporção de seu corpo em relação à paisagem não é reduzida como nas imagens oitocentistas, ao contrário, às vezes ocupa a maior parte do quadro. Entre a artista e a paisagem, natural ou urbana, há uma imagem clichê, uma pintura ou uma fotografia cuja intenção é evocar a idéia de beleza natural e a postura de contemplação. No entanto, a tela e o livro se tornam obstáculos e motivos de embotamento. Com ironia, 2ª Natureza denuncia a ingenuidade (ou o fracasso) de uma arte (e de uma cultura material como constatam as plantas de plástico e a toalha com o céu) cujo objetivo é remeter ao prazer e ao sossego que sentimos diante da natureza.
Wielewicki explicita o abismo que há entre a natureza e seus simulacros. Em algumas situações, as telas impedem a visão da cidade ocupada por condomínios classe média rodeados de morros com favelas. Na série Recanto, o foco está na folhagem artificial e não no horizonte. No díptico Azul Marinho, a reprodução no livro é uma informação que, ao invés de instruir, parece dificultar a relação da personagem com o entorno. Tanto faz se a moça está na praia ou na sacada do apartamento. A postura de indiferença ao vento, à textura das coisas, à maresia ou ao barulho dos carros é a mesma. Fabiana Wielewicki nos fala do perigo das imagens idealizadoras que, onipresentes e silenciosas, ao invés de renovar nossa percepção e nossa relação com as diferentes dimensões da vida, recalcam atitudes.
Heloisa Espada
Doutoranda em História da Arte pela Universidade de São Paulo