O sentido que cada pessoa produz para o que lhe acontece é característico de seu modo de percepção, que é individual e único. Inerente à atenção despendida aos próprios movimentos internos de reação ao ambiente, o fato é que essa relação sempre ocorre, ou seja, independentemente do nível de consciência do sujeito. No fluxo do cotidiano que nos bombardeia com informações cada vez em maior quantidade e durante todo o tempo, muitas vezes nos furtamos a um intervalo para silenciar, perceber a vida em si (aquela que existe apesar de nossos compromissos). Mas nem sempre é assim. Tem algumas pessoas que conseguem parar o tempo cronológico. Fabiana Wielewicki aparenta ter esse poder. Momentaneamente parece deslinearizar o tempo que, tornando-se tão extenso, fica atemporal. Num clique da câmera a artista cria um mundo paralelo num tempo infinito. Seus trabalhos indicam que sua relação com a paisagem tem se tornado cada vez mais consciente da possibilidade de construção de interstícios entre o real e a ficção.
Em alguns trabalhos anteriores, Fabiana forma as imagens através da manipulação dos negativos. Utilizando técnicas fotográficas clássicas, aplica o “novo choque do velho”, atualizando procedimentos técnicos da fotografia artesanal ao criar um processo ímpar. Recortando e colando, as imagens produzidas mascaram a paisagem registrada pela fotografia. A imagem apresenta ao espectador uma situação reformulada, porém não distorcida, diante daquela que através dos olhos da artista fora fotografada. O espectador não reconhece na paisagem a visão da artista, nem mesmo ela aparece aí. E é quase impossível perceber a imagem “real”.
Naturalmente, o fazer reinventou o próprio fazer, como acontece com pessoas tão investigadoras como Fabiana. Nas imagens da exposição 2ª natureza ela participa da paisagem. Não há manipulação de negativos nem de outro tipo de montagem fotográfica. E a artista passa a fazer parte de imagens incógnitas que são certezas tão afirmativas que nos suscitam dúvidas. Imagens que poderiam ter inspirado Tom Zé a cantar: “estão nos explicando para nos confundir”.
Nunca vi Fabiana alterar a imagem do registro fotográfico. Iludir não é de sua personalidade. Por isso, se encontrarem em sua obra a manipulação em qualquer grau, estejam certos que estão diante de verdades, ainda que sejam ficções. As verdades da artista são capazes de suscitar verdades em cada um de nós, pois no cotidiano participamos de um jogo de representação que é inerente à vida. Verdades, contudo, provisórias, pois a reconstrução parece mesmo fazer parte da vida. Habitar a paisagem, estar no mundo, são situações tão óbvias, fatos tão reais, que suscitam nossas maiores dúvidas. Como nas paisagens incógnitas de Fabiana.
Gabrielle Althausen
artista e aluna do mestrado em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina