O gabinete é uma exposição coletiva que deixa à mostra os procedimentos institucionais da exposição, elevando-os ao estatuto de obra. O que inclui esse texto que, espero, seja aproveitado em um folder ou coisa que o valha. Nessa exposição, além de obras dos artistas responsáveis pelo projeto, apresentamos obras de outros artistas que esbarramos na sociabilidade, que, afinal, constitui o mundo da arte. É uma tradição social complexa, não é? Quero dizer, fica difícil apontar um objeto que defina a arte, como podemos fazer com os antílopes: “isso, isso é um antílope”. Seja lá o aspecto que tenha um antílope. Que fique bem claro que respeito os antílopes como animais cheios de vida, não como objetos. Objeto aqui é um termo filosófico… enfim.
Dessa forma, o nosso gabinete, não é o gabinete surgido no século XVI como “quarto das maravilhas” e depois transformado nos museus etnográficos e mesmo nos museus contemporâneos. Isso vocês podem pegar na internet. O nosso gabinete é o gabinete-imagem, herdado da cultura televisiva, da pequena loja de horrores, daquele tiozinho chinês que vendeu o gremlin quando ele ainda era um bichinho fofinho chamado gysmo, ou seja, da versão que a cultura do mass media faz dos gabinetes dos romances do século XIX. Esses, por sua vez, são imagens (elas mesmas, segundo o racismo flusseriano, uma popularização) dos gabinetes de curiosidades que nem sabemos ao certo se realmente existiram como Origem. É o tal do hipertexto, acho eu. Melhor assim. Sem Origem, sem destino. Deixamos o Destino para a Anatomia.
Ou seja, além da evidente raiz-boiando-no-ar-pop do nosso gabinete, como somos artistas plásticos, envolvemos a sociabilidade que envolve a arte – como eu disse logo acima – na nossa exposição. Dela participam: Barbara Rodrigues, Roberto Freitas, Alberto Peral, Henrique Oliveira, Sílvia Jábali, Ana Elisa Egreja, Guy Amado, Aline Dias, Paulo Gaiad, Marcelo Amorim, Maria Carolina, Lais Myrrha, Júlia Amaral, Diego Rayck, Cleverson Salvaro, Joana Corona, Thiago Thomé, Patrícia B e Veado Molhado… além de nós mesmos.
Os trabalhos apresentados fazem parte de nossas coleções particulares, de relações travadas no mundo da arte ou meros pretextos para adulação. Como no meu caso, por exemplo.
Essas obras, como as nossas, têm o aspecto de anotações, pequenas experiências e intuições, ou seja, mais como detritos do processo artístico do que como obras acabadas. A exposição mesma é uma obra em processo, modificando-se de acordo com o lugar onde é apresentada e acrescentando novos nomes a suas fileiras. É uma exposição que trata do funcionamento institucional da arte e dos aspectos estruturais de sua prática. Empalhamos o elefante com as tripas pra fora, como escreveu um amigo meu a respeito de um amigo dele.
No Museu Victor Meirelles, a exposição está toda no chão. Pensamos no museu imaginário do Malraux, que, como não poderia deixar de ser em nosso caso, conhecemos somente por aquela célebre foto em que o autor vislumbra sua coleção de fotos de obras de arte esparramadas no chão de seu escritório. Fizemos com nós mesmos e com o francês a mesma coisa que ele fez com a história da arte. Uma imagem de uma narrativa que transforma acontecimentos históricos em imagens. De novo, raízes boiando no ar.
rcr, 2009