Módulo 2. Dimensão Histórica
De 18 de agosto a 11 de novembro de 2017
Histórias e biografias de Victor: a infância, o aluno, o professor, o artista,
o pintor de panoramas. As histórias de suas pinturas.
O testemunho e a imaginação histórica de Victor.
Victor Meirelles nasce na cidade de Desterro (atual Florianópolis) em 1832 e morre no Rio de Janeiro em 1903. São mais de 70 anos recheados de histórias reunidas e apresentadas em quatro biografias: Carlos Rubens (1945), Wolney Milhomem (1972), Argeu Guimarães (1977) e Teresinha Franz (2014). Cada biografia aborda, à sua maneira, diferentes aspectos da vida e da produção artística de Victor Meirelles com o auxílio da pesquisa histórica, de memórias e de certa dose de liberdade literária.
Além de personagem de sua própria história, Victor também foi um importante contador de histórias. Excelente narrador, o pintor recria acontecimentos de muitos anos antes de sua existência, como a ‘Batalha dos Guararapes’ (1648-1649) e o ‘Naufrágio da Medusa’ (1816), utilizando sua aprimorada técnica de pintura e sua grande imaginação artística. Em ‘Passagem do Humaitá’, Victor conta uma história de seu próprio tempo, como testemunha da campanha naval brasileira na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870).
Convidamos os visitantes a observar as obras de arte de Victor em exposição, ler e ouvir algumas de suas histórias para construir seu próprio percurso ao longo da vida e da produção artística do pintor, selecionando os episódios que mais lhe interessar e preenchendo as lacunas com suas próprias referências e imaginação.
As 04 Biografias – Victor como personagem:
Carlos Rubens, 1945
“Devo a publicação deste desvalioso livro, de afeição e admiração a Vítor Meireles, à compreensão administrativa, ao sentimento patriótico e à esclarecida inteligência do Sr. Dr. Nereu Ramos, ora à frente do governo de Santa Catarina. Tão avessos e revessos são os nossos governantes a procedimentos semelhantes, em se tratando sobretudo de arte, que não posso deixar de consignar aqui, com os mais profundos agradecimentos, o gesto exemplar do ilustre Interventor Federal do Estado, que dêsse modo alia o seu nome digníssimo à homenagem ao Mestre imortal, cujo esplendor de glória ilumina a bela terra em que nasceu e o próprio Brasil.”
Wolney Milhomem, 1972
“Transcorrem os dias e Vítor Meireles não perde altitude. É o vulto máximo da arte nacional. O estilo acadêmico que trouxe da escola europeia do Século XIX não lhe perturbou as opções livres. (…) Passados 140 anos de nascimento de Vítor Meireles, propõe-se este autor a publicar um ensaio histórico reavaliando as imortais virtudes do Artista. São modestos subsídios – talvez – de contribuir para a formulação de um conceito de atualidade em torno do magistral pintor.”
Argeu Guimarães, 1977
“Vitor Meireles… Já não pensava mais em escrever sobre a história das artes visuais no Brasil quando, graças ao zelo de minha irmã Vanda, recuperei uns apontamentos de 1915, do concurso que fiz na Escola Nacional de Belas Artes para disputar a cadeira de História, juntamente com Raul Nielsen, Basílio de Magalhães, Flexa Ribeiro, o vencedor, e outros, e invadiu-me o desejo irresistível de voltar ao tema da mocidade. (…) Falta-me, por certo, a autoridade de julgamento dos que me precederam, mas não será menos sentida a compreensão e admiração que me anima pela obra que nos legaram. Ao mesmo tempo aproveito aqueles velhos apontamentos, a que acrescento anotações e desenvolvimentos mais recentes, e evoco, com os Meireles, as gerações catarinenses que partiram de meu tataravô Bartolomeu, Álvaro, todos saídos do mesmo ninho, da mesma seiva, do mesmo grupo humano.”
Teresinha Suely Franz, 2014
“…não se trata de apresentar aqui uma nova biografia de Victor Meirelles de Lima. Desafio, no entanto, outros pesquisadores a fazê-lo com apoio nos dados revelados neste livro, indo, assim, além da crítica, da estética e da história da arte, também à vida do artista e ao seu contexto sociocultural de origem. (…) …mais do que apresentar verdades inquestionáveis, minha intenção primeira é ampliar as reflexões em torno do legado desse artista.”
Histórias das obras de arte – Victor como narrador:
O naufrágio da Medusa [cópia]:
Texto de Ana Araújo (Barca dos Livros)
Depois de dias e noites escondidos debaixo dos panos da vela, tentando proteger do sol a carne viva, apareceu uma borboleta, e houve um suspiro de esperança. E apareceu uma gaivota, e o suspiro fez um gemido. Quando, enfim, apareceu um navio, o grito ecoou tão forte que se eternizou em imagem: Navio à vista!
Cada tecido virou bandeira, agitada com forças que os náufragos já nem imaginavam ter. As pessoas sobreviventes foram resgatadas. Serviram-lhes sopa, carregaram os doentes, trataram das feridas. Depois de chegarem em terra, houve até quem tivesse forças para contar a história.
Estudo para “Passagem do Humaitá”:
Texto de Lele Casali (Barca dos Livros)
Fossem os ouvidos a narrar esta cena, primeiro viria o silêncio de morte, depois os clarins, hinos, gritos de guerra, xingamentos, canhões, fuzis, balas e baionetas, corpos perfurados e uivos de dor.
Fosse o nariz, viria o cheiro da lama e capim molhado, da pólvora, do suor, do sangue, da carne viva, da ferida exposta, dos corpos em putrefação.
Mas temos um pintor na história e os olhos, diriam o indizível:
Em primeiro plano, no lugar de honra e glória, corpos mortos, corpos quase vivos, quase mortos, em comunhão. Não têm rosto, não têm nome. Mais ao longe, os vencedores tão miseráveis, anônimos e irreconhecíveis quanto os derrotados.
A Batalha dos Guararapes
Texto de Pedro Xexéo:
Victor Meirelles viajou a Pernambuco em fevereiro de 1874, lá ficando por três meses. Na cidade do Recife, pesquisou memórias históricas, a topografia da região dos Montes Guararapes, além de iniciar a série de estudos para compor a pintura definitiva. Retornando ao capital do império, Victor se instalou num barracão construído no Campo da Aclamação, atual Campo de Santana, entre a Casa da Moeda e o antigo Senado. Neste ateliê improvisado, continuou a feitura das dezenas de estudos preparatórios, realizados em diversas técnicas, usando o lápis (grafite), nanquim ou óleo, como este belíssimo esboceto a óleo, agora pertencente ao Museu Victor Meirelles.
“Os episódios, por mais característicos e pitorescos de uma batalha, cujo fim fosse tão somente representar a destruição ou o extermínio de uma raça pela outra, não poderiam, na tela de Guararapes, contribuir senão para excitar o interesse calculado pelo artista, que só cogitou de chamar atenção do espectador sobre os personagens principais. É dessa subordinação rigorosa na disposição dos episódios e sua relativa importância que resulta sempre, num painel, o caráter de grandiosidade, a simplicidade e a perfeita unidade…”
“O movimento resulta do contraste das figuras entre si e dos grupos entre uns e outros; desse contraste, nas atitudes e na variedade das expressões, assim também como nos efeitos bem calculados das massas de sombra e luz, pela perfeita inteligência da perspectiva que, graduando os planos, nos dá também a devida proporção entre as figuras e seus diferentes afastamentos, nasce a natureza do movimento, sob o aspecto do verossímil, e não com o cunho do delírio.”
Victor Meirelles de Lima
Os estudos de traje
Texto de Mara Rúbia Sant’Anna:
Os estudos de trajes transitam entre o linear e o pictórico e por isto geram inquietações. A formação inicial de Victor, neoclássica, o fez produzir estudos de panejamento cuidadosos, nos quais movimentos dos corpos se fundem e se manifestam em braços, pernas e dorsos cobertos por camadas de panos, laços e babados. Contudo, a delicadeza das pinceladas quase imperceptíveis do uso bem adestrado da aquarela ou da tinta à óleo, a ambiência e a temática das vestes apontam para a formação encontrada na Europa – romantismo, purismo – nos quais os usos e costumes do homem comum da época, bem como, as posições e expressões das figuras eram imbuídas de carga emotiva introspectiva.
Os estudos de embarcações
Texto de Mário César Coelho:
Victor Meirelles permaneceu por dois meses presenciando o cenário de guerra, quando teve a “oportunidade de se familiarizar com particularidades da nossa ação naval e até a minúcia de desenhar cadáveres”. Ficou a bordo do encouraçado Brasil, a nau capitânea da Esquadra Imperial, vendo de perto a rudeza do cenário de guerra e o drama dos soldados mortos e feridos. Meirelles sabia ser realista, como mostram seus desenhos na série Estudos paraguaios.