De 1996 a 2000 – O grande acordo
A Irmandade Beneficente do Rosário e São Benedito, representada pelo seu Provedor, então proprietária da tela, tentava a devolução da pintura, já protegida por Lei, para sua comercialização, a fim de angariar recursos para realizar reparos na Igreja.
Em dezembro de 1999, a Irmandade e o Iphan firmaram o acordo pela troca da tela de Victor Meirelles por serviços de restauração dos altares da igreja. Em Julho de 2000, o IPHAN solicitou um projeto de restauração dos retábulos da igreja, que foi apresentado e aprovado pela Irmandade, IPUF e FCC, uma vez que a Igreja de N. S. do Rosário e São Benedito tem proteção legal através do tombamento municipal e estadual. O Termo de Doação foi assinado em 20 de setembro de 2000, com a contrapartida da restauração dos retábulos dos altares da Igreja.
Ao término da execução do projeto de restauração, a tela “N.S. do Desterro Vista do Adro da Igreja do Rosário e São Benedito – 1847” passa a integrar oficialmente o acervo do Museu Victor Meirelles/11ªSR/IPHAN/SC, em Florianópolis, SC.
1985 – Laudo Técnico de Conservação
Suporte: tela colada em madeira. Tecido em péssimo estado, apresentando acidez, endurecimento provocado pela cola no dorso. Presença de grande rasgo em forma de cruz ao centro do quadro; presença de outros rompimentos esparços. Presença de grandes áreas faltantes, principalmente na região do céu; presença de furos esparços. Abaulamentos generalizados, com maior incindência nas regiões dos rasgos. O compensado onde foi colada a tela apresenta-se em pésimo estado, com manchas de umidade e degradação do mesmo. Totalmente atacado por térmitas, ainda em atividade na época do início dos trabalhos de restauração.
Pintura: Em péssimo estado. Em craquelês e concheamentos generalizados; penetração da cola aderida à tela pelas fissuras; presença de grandes áreas de pedras generalizadas.
Presença de etiqueta no canto inferior esquerdo, presa com tachinhas sobre a pintura
Verniz: Totalmente oxidado, alterando os valores da pintura; entranhado em vários pontos da pintura. A presença da cola que transpassou do dorso da tela para a superfície da pintura, alterou ainda mais os valores tonais da mesma, quando em contato com o verniz oxidado; em grandes áreas tornava-se praticamente impossível a visualização de detalhes da obra
1985 – Atividades de restauração
- Remoção da etiqueta e tachinhas
- Higienização da pintura (varsol)
- Faceamento total da pintura (cêra/papel)
- Remoção do compensado (mecânica)
- Planificação da tela (calor/peso)
- Consolidação da pintura (calor/cêra)
- Reentelamento (cêra microcristalina)
- Remoção do facelamento
- Remoção parcial do verniz alterado e da cola (isopropanol/toluol 1/2, amoníaco/varsol/deterc- 7/1/2/2)
- Compensação de volume nas áreas de perdas de fundo (composto de cêra)
- Colocação no chassis
- Aplicação de novo verniz (paladio B72)
- Retoques (paraloid B72 e pigmentos)
- Aplicação de verniz final (Paraloid B72)
2000… – Exposições
“Victor Meirelles – um artista do Império”, de 18/12/2003 a 14/03/2004 no Museu Oscar Niemeyer (Curitiba/PR) e de 22/06/2004 a 22/08/2004 no MNBA (Rio de Janeiro/RJ).
“Victor Meirelles – Construção”, de 18/05/2005 a 04/11/2012.
“Viagem em torno do museu: 60 anos de Museu Victor Meirelles”, de 15/11/2012 a 17/02/2013, no Circuito Expositivo do Museu Victor Meirelles (Térreo, Sala 1) e de 19/02/2013 a 22/05/2013, no 1° andar, Sala 1.
“Museu Victor Meirelles: Entrelaços”, início em 29/05/2013, Exposição de Longa Duração no Circuito Expositivo do Museu Victor Meirelles (1° Andar, Sala 3).
“Exposição de Inauguração Sede Temporária”, de 15/06/2016 a 20/05/2017, no Museu Victor Meirelles (Sede Temporária).
“Projeto Victor em 4D – Exposição de Longa Duração do Museu Victor Meirelles – Módulo 2. Dimensão Histórica”, de 18/08/2017 a 11/11/2017, no Museu Victor Meirelles (Sede Temporária).
Leituras
“O catarinense [Victor Meirelles] decide-se por um ponto de fuga imperativo, rígido, cortado embaixo pelo terraço no primeiro plano. Com isso, evita, como sempre o fará ao longo de sua vida, qualquer pitoresco. Estamos no domínio do espaço estritamente ordenado.
O espírito das cidades brasileiras do século XIX o auxiliam nessa tarefa. Ou talvez, melhor dizendo, Meirelles intui e serve-se desse espírito. Ao contrário do viajante, como Taunay, que equilibra os dados visuais de um ponto de vista complexo e irregular, Meirelles via a cidade como um ser autônomo, como ela própria, a cidade, se fazia e queria ser vista.
Em primeiro lugar ela se quer regular, alinhada – num apalavra, geométrica. A lógica do urbanismo luta contra a exuberância natural.
As cidades brasileiras do século XIX cuidavam em fundar-se numa trama ortogonal, expressão da racionalidade mais simples, procurando ordenar-se com clareza. O retilíneo torna-se um ideal de urbanismo civilizador, capaz de corrigir traçados aproximativos As casa alinham rigorosamente suas fachadas sobre a rua: trata-se de um mundo em que a relação com a natureza é muito diferente daquela na qual vivemos hoje.”
COLI, Jorge. A linha e a mancha. In.: TURAZZI, Maria Inez (org.). Victor Meirelles – Novas leituras. Florianópolis, SC: Museu Victor Meirelles/Ibram/MinC; São Paulo: Studio Nobel, 2009. p. 32-45.
“Desde cedo Meirelles apresentava uma geometria organizada, uma composição bem distribuída, no entanto, este quadro juvenil mostra uma particularidade visual. A obra tem uma estranha relação com a perspectiva, pois, apesar de ter um ponto de fuga principal encaminhado pelas linhas da Rua Trajano, no centro do quadro, o ponto de fuga do adro da Igreja Nossa Senhora do Rosário não obedece ao resto da composição, acentuando a verticalidade e o olhar para as montanhas. É como se o olhar do pintor pudesse também estar muito acima do horizonte.
O Morro do Cambirela, um dos pontos mais altos da região, acabou se destacando como o ápice de um triângulo. Este elemento encaminha o olhar para o alto e, ao mesmo tempo, cria uma tensão na composição. A tensão aplicada ao quadro deriva de um “equívoco” (não sabemos se intencional ou não) na perspectiva. Esta tensão que aparentemente seria a diferença entre uma obra de Meirelles acadêmico e uma de um moderno Portinari desaparece aqui. Há um estranhamento que acaba problematizando a paisagem. Algo que instiga e não é o natural. O ponto de fuga em ‘Vista do Desterro’, mais do que “erro”, pode indicar um significado de espiritualidade, como evocação de um ponto mais alto, acima de todos, trindade, composição triangular que teve importância na obra de Meirelles, velho ou menino.”
COELHO, Mário Cesar. Uma visão de Nossa Senhora do Desterro. Revista Obra em perspectiva. Museu Victor Meirelles. Florianópolis, SC, junho 2007.