INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS

Museu Victor Meirelles

Esboços para a Batalha dos Guararapes

Sonia Gomes Pereira possui graduação em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1967), mestrado em História da Arte na University of Pennsylvania (1976) e doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992). Fez pós-doutorado no Laboratoire du Patrimoine Français/CNRS em Paris (2000). É professora titular da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: arte brasileira do século XIX, academia, ensino artístico, Rio de Janeiro, cidade e urbanismo.

O acervo do Museu Victor Meirelles possui alguns esboços para a grande tela Batalha dos Guararapes – um dos maiores exemplos da nossa pintura histórica, ligada, como tem sido bastante apontado recentemente pela historiografia, ao projeto político de construção da nação através da narrativa histórica do passado.

Aqui, vamos nos deter em três esboços: dois em grafite sobre papel e um óleo sobre tela. Estes estudos constituem uma excelente maneira para entendermos o processo de trabalho de Victor Meirelles, que é exemplar da formação artística implantada desde o Renascimento e conservada nos ambientes das academias e dos ateliês até o século XIX e, mesmo, no século XX. Para examinarmos esta questão é preciso retomar o conceito daquilo que o Renascimento denominava disegno, isto é, a ideia do artista, que precede a execução da obra. Este argumento foi fundamental no esforço renascentista para arrancar as artes visuais da tradicional inferioridade em que eram colocadas, desde a Antiguidade, como artes mecânicas, a fim de elevá-las ao status de artes liberais. Correspondia, assim, à famosa expressão de Leonardo da Vinci de que “a pintura é uma coisa mental”.

Nesta perspectiva, o primeiro passo do artista na elaboração da obra era colocar no papel e, depois, na tela a sua proposta formal para o tema em questão. É preciso, assim, fazer uma distinção entre os disegnos – quer dizer, os primeiros esboços que apresentam a ideia formal da obra como um todo (que serão mais tarde comumente chamados de esquisses no vocabulário acadêmico) –, e os simples estudos em que o artista tenta resolver problemas parciais – figuras isoladas, cabeças, gestos etc.

Vamos examinar os três esboços de Victor Meirelles aqui destacados. O primeiro esboço (Figura 1) é exatamente aquilo que se entendia por disegno na linguagem do Renascimento e, mais comumente, por esquisse, no vocabulário acadêmico. É o desenho que apresenta a proposta formal do artista no seu conjunto. Sempre feita inicialmente na técnica do desenho, é um trabalho que apresenta, sem grande detalhamento, as grandes massas e os vazios, as linhas predominantes da composição e o efeito geral que a obra pretende transmitir. Não exige acabamento; ao contrário, requer uma certa rapidez na execução, na pretensão de captar a ideia do artista.

O segundo estudo (Figura 2), também desenhado, embora ainda apresente uma visão mais de conjunto, já começa a detalhar a primeira ideia anterior – no caso, inclusive com indicações escritas. O terceiro esboço (Figura 3) representa uma etapa já avançada do processo de criação do artista, em que é possível passar dos desenhos para a pintura. Embora feita em dimensões menores, a tela apresenta aquela primeira ideia do artista passada para o esquema cromático. É possível que haja outros esboços pintados, mais esquemáticos do que este na série preparatória da obra, pois a tela em questão já apresenta um grande detalhamento nas figuras humanas – o que não acontece com a representação da natureza. Mas o que me parece a maior preocupação deste esboço é definir o esquema de cores e de luz e sombra e apresentar aquilo que os próprios artistas chamavam de efeito, isto é, o “clima” geral da obra. É impressionante como estes esboços nos parecem, hoje, muito mais “modernos”, pela forma mais livre e espontânea – sem o longo processo de rigoroso acabamento a que as obras finais eram submetidas.

Figura 1

Estudo para
Estudo para “Batalha dos Guararapes”, Victor Meirelles de Lima

Figura 2

Estudo para
Estudo para “Batalha dos Guararapes”, Victor Meirelles de Lima

Figura 3

Esboceto para
Esboceto para “Batalha dos Guararapes”, Victor Meirelles de Lima