Prof. Dr. Paulo R. O. Reis (Departamento de Arte da Universidade Federal do Paraná/UFPR)
Um dos estudos realizados por Victor Meirelles, em sua estadia na capital francesa, foi a cópia da pintura Les Femmes Suliotes / As Mulheres Suliotas (1827, 261 x 359 cm), de autoria do artista Ary Scheffer (1795-1858). Holandês de nascimento, Scheffer realizou seus estudos na França e em suas primeiras obras, da qual faz parte a pintura Les Femmes Suliotes, havia um diálogo com a nascente movimentação romântica na Europa. Esta pintura representa uma passagem da história grega das lutas de resistência civil à dominação otomana no séc. XIX. O episódio, transformado num quadro monumental, descreve o momento no qual, dominadas e cercadas pelas tropas turcas, um grupo de mulheres salta de um rochedo em direção à morte.
O estudo pela cópia era parte do processo de ensino acadêmico. A cópia privilegiava o aprendizado da “maneira” do artista copiado, observada na pincelada, na resolução das cores ou na estrutura geral do quadro. A questão da singularidade do artista, como a entendemos hoje, não era premissa do academicismo brasileiro, seja na prática da cópia como estudo ou na assimilação de elementos formais e compositivos de outras poéticas em obras mais autorais (1). Neste contexto é esclarecedora a declaração do pintor Pedro Américo, em texto de 1880, quando afirma que a originalidade não está tanto na absoluta independência da concepção quanto na forma peculiar a cada autor (2). O acervo do Museu Victor Meirelles tem dois exemplos destes estudos, um deles é a cópia da obra de Ary Scheffer e a outra, da obra de Théodore Géricault, Le Radeau de la Méduse / O Naufrágio da Medusa.
O pequeno estudo-cópia “Mulheres Suliotas” (1856-58, 32 x 41 cm), de Victor Meirelles, realizado sobre o trabalho de Scheffer nos dá também outras indicações das questões formais acadêmicas no Brasil e de seu éthos artístico. Primeiramente percebemos as fontes difusas e variadas da constituição do academicismo. De raiz neoclássica trazida pelos artistas da Missão Francesa, a movimentação acadêmica incorporaria gradualmente pesquisas visuais de vertente romântica e realista. No trabalho posterior de Victor Meirelles a representação da luz romântica é evidente, como pode ser observado, por exemplo, na pintura “Batalha dos Guararapes” (1875).
Outra discussão aberta pelos estudos-cópia de Victor relaciona-se a seu olhar sobre a história. Coincidentemente as duas obras no acervo do Museu Victor Meirelles, que foram estudadas pelo artista, mostram tragédias civis, seja no episódio das mulheres suliotas ou na deriva dos náufragos na jangada. Ambas apresentam uma visão da história dos acontecimentos, na qual os atores sociais são a população em geral. Pode-se afirmar que nestas pinturas, tanto na resistência das mulheres gregas ou na tragédia exemplar dos náufragos, há um olhar romântico aderido ao novo espaço da civilidade conquistado pela Revolução Francesa. E em ambas, heroísmo e tragédia diferenciam-se do conceito de herói do academicismo brasileiro. Certamente mergulhado num contexto de construção imagética da identidade nacional do séc. XIX, nas obras de Victor não há um espaço de ação e luta possíveis fora da esfera política oficial.
Notas:
1. Sobre esta discussão ver o item “Digressão sobre o plágio” do livro “Como estudar a arte brasileira do século XIX?” de Jorge Coli (Ed. SENAC, São Paulo, 2005).
2. Melo, Pedro Américo de Figueiredo e, “Discurso sobre o plágio” apud Schlichta, Consuelo Alcioni Borba Duarte. A pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação no século XIX. Tese de doutorado apresentada no Programa de Pós Graduação em História/UFPR, 2006.