Mônica F. Braunschweiger Xexéo (Diretora do Museu Nacional de Belas Artes).
Não podemos pensar em arte brasileira no século XIX sem lembrarmos de Victor Meirelles de Lima. Analisar sua produção artística, em todo ou em parte, é tarefa obrigatória para todo pesquisador de arte do século XIX brasileiro. Victor Meirelles é um artista singular que atingiu um patamar que poucos contemporâneos seus alcançaram. Um dos artistas prediletos do Imperador Pedro II, conheceu a glória e o esquecimento. Sua vasta obra nos oferece uma visão privilegiada sobre a formação de um artista nos oitocentos, no Brasil.
Os primeiros anos de aprendizado artístico de Victor são obscuros, devido à escassez de documentos. Raras são as fontes de informação relativas à sua formação artística em Santa Catarina, nos anos de 1840. Chegaram aos nossos dias, poucas, mas importantes obras, realizadas por Victor na primeira metade do século XIX que são testemunho vivo de sua singularidade.
Jovem ainda, no ano de 1846, Victor teve a oportunidade de conhecer em sua terra natal, Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis. O Conselheiro do Império, Joaquim Francisco Coelho que o encaminhou à Corte, matriculando-o na Academia Imperial das Belas Artes, no Rio de Janeiro, centro irradiador e formador de conhecimento, no Segundo Reinado. A partir de sua formação sistemática de ensino na Academia Imperial das Belas Artes, teve a oportunidade de desenvolver seus dons artísticos, iniciando uma longa trajetória de sucessos. Estudou na Itália e França, tendo a oportunidade de conviver com mestres com Tommaso Minardi, Leon Cogniet que muito influenciaram sua carreira.
A paisagem brasileira – por sua exuberância tropical – sempre permeou o imaginário de artistas do século XIX. Não só a paisagem pura, como também o registro urbano de cidades e vilas. Conhecemos diversos exemplos feitos por viajantes estrangeiros, que por aqui estiveram acompanhando expedições cientificas, documentando o nosso povo e os nossos costumes: Nicolau Taunay, Nicolau Facchinetti e, sem esquecermos da presença no século XVII, o holandês Frans Post.
Victor Meirelles também participou deste seleto grupo de artistas que teve a paisagem como fonte de inspiração. Seus trabalhos – que chegaram aos nossos dias – realizados no primeiro quartel do século XIX – são três aquarelas e um óleo, que retratam paisagens urbanas de sua cidade, pertencentes ao acervo do Museu Victor Meirelles.
A paisagem urbana da antiga Nossa Senhora do Desterro sempre esteve presente na memória de Victor Meirelles. A aquarela intitulada “Vista da face ocidental do Largo do Palácio da cidade do Desterro” possui uma outra versão em coleção particular no Rio de Janeiro. No acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, encontra-se uma pintura em cartão, datada de 1851, inicialmente nomeada como “Uma Rua do Rio de Janeiro”, e que durante muitos anos foi conhecida sob o título de “Uma Rua de Desterro”. Foi, posteriormente, identificada, após longa pesquisa do historiador Donato Mello Junior, como sendo um cenário de Desterro, mais precisamente a antiga “Rua João Pinto”. Este trabalho realizado quando o artista tinha dezenove anos é extraordinário. Apresenta ainda alguns traços de lápis grafite, base primordial para a realização do desenho. Existe, também, uma pequena paisagem intitulada “Uma Rua do Rio de Janeiro”, sem data e sem assinatura, que encontra-se em outra coleção particular no Rio de Janeiro. Alguns historiadores atribuem este trabalho a Victor Meirelles.
A pintura “Vista do Desterro”, feita aproximadamente em 1847, e adquirida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN em 2000, para o acervo do Museu Victor Meirelles, pertencia a Irmandade Beneficente Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Foi realizada pouco antes de embarcar para o Rio de Janeiro como pensionista da Academia Imperial de Belas Artes. A construção do espaço é feita de maneira ordenada, articulando-se os planos, com a adoção de uma perspectiva correta e a utilização de cores, que irão marcar sua palheta cromática.
A representação da paisagem sempre permeou seu imaginário, desde suas obras iniciais até a sua derradeira produção. Passando pela elaboração de sua emblemática obra “Primeira Missa no Brasil”, ícone da pintura brasileira, finalizando na realização dos três excepcionais Panoramas. O Panorama do Rio de Janeiro é um dos mais importantes documentos iconográficos da arte brasileira feito de forma circular – giratório, e que infelizmente não mais existe. Apenas chegaram aos nossos dias inúmeros estudos preparatórios. Victor Meirelles foi um dos maiores artistas de sua geração e um dos mais expressivos pintores do século XIX.