Mário César Coelho é arquiteto e professor do Departamento de Expressão Gráfica na UFSC. Mestrado e doutorado em História Cultural pela UFSC, defendeu recentemente a tese “Os Panoramas Perdidos de Victor Meirelles”.
A obra “Vista do Desterro”, atual Florianópolis, circa 1847, é uma obra instigante e insere-se na trajetória inicial de Victor Meirelles quando começava a ser influenciado por um tipo de pintura que se desenvolvia na Academia Imperial das Belas Artes do Rio de Janeiro. O pintor colocou seu cavalete no adro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, lugar de onde podia observar o porto e o casario de Desterro. Os limites da composição estão basicamente entre duas igrejas – a Matriz e a Igreja de São Francisco.
A pintura de paisagem foi um gênero valorizado na obra do artista, mesmo por alguns de seus críticos contemporâneos. Desde cedo Meirelles apresentava uma geometria organizada, uma composição bem distribuída, no entanto, este quadro juvenil mostra uma particularidade visual. A obra tem uma estranha relação com a perspectiva, pois, apesar de ter um ponto de fuga principal encaminhado pelas linhas da Rua Trajano, no centro do quadro, o ponto de fuga do adro da Igreja Nossa Senhora do Rosário não obedece ao resto da composição, acentuando a verticalidade e o olhar para as montanhas. É como se o olhar do pintor pudesse também estar muito acima do horizonte.
O Morro do Cambirela, um dos pontos mais altos da região, acabou se destacando como o ápice de um triângulo. Este elemento encaminha o olhar para o alto e, ao mesmo tempo, cria uma tensão na composição. A tensão aplicada ao quadro deriva de um “equívoco” (não sabemos se intencional ou não) na perspectiva. Esta tensão que aparentemente seria a diferença entre uma obra de Meirelles acadêmicoe uma de um moderno Portinari desaparece aqui. Há um estranhamento que acaba problematizando a paisagem. Algo que instiga e não é o natural. O ponto de fuga em “Vista do Desterro”, mais do que “erro”, pode indicar um significado de espiritualidade, como evocação de um ponto mais alto, acima de todos, trindade, composição triangular que teve importância na obra de Meirelles, velho ou menino.
Em algumas pinturas, nota-se o contraste produzido pelos elementos mais duradouros da natureza e as transformações radicais ocorridas no cenário urbano. Esta pintura, que por pouco não desapareceu, evidencia algo que hoje está perdido na paisagem, a perda de uma visão.