INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS

Museu Victor Meirelles

Retratos/graffiti: um tanto de pintura

Por Flávia Duzzo

Os retratos/graffiti que Renata de Andrade apresenta em sua exposição “Grátis” operam sem dúvida com vários elementos pictóricos como cor, linha, forma e composição.

São retratos que apresentam caras anônimas que trazem consigo vestígios de um estado de espírito. São rostos sem uma fisionomia definida, que coincidem com a ausência de expressão que os catadores de lixo encontram nas grandes cidades.

Estas pinturas não se oferecem à contemplação nem à absorção de suas imagens. Elas convidam o espectador a compartilhar de sua condição fugaz. Cada retrato opera com uma imagem qualquer, de qualquer homem, de todos os homens. O brilho da tinta spray aplicada em algumas destas caras rebatem o nosso olhar. Neste seu brilho, nos vemos refletidos. Ao rebater o nosso olhar estes rostos tornam-se ainda mais inatingíveis em seu anonimato, não permitem que nossa visão os absorva. Alguns rostos, no entanto, adquirem maior identidade quando Renata adota um tom rosa carne para a pintura da pele. Parece haver em todos estes retratos/graffiti um indivíduo que não encontra lugar para se mostrar ou que não quer ser visto em sua totalidade.

O que é pintado no suporte, ao mesmo tempo em que oculta o fundo estampado, o dá a ver. A tinta depositada encobre parte do fundo e assim, paradoxalmente o traz para a superfície concedendo-lhe maior visibilidade. A relação figura/fundo entra num acordo, pode-se dizer assim, de igualdade de importância na ocupação do suporte, onde não deve haver hierarquia. O caráter planar destas pinturas é intensificado pela extrema horizontalidade da maioria destas pinturas. Este formato resulta das dimensões de uma caixa desmontada. O suporte que foi caixa, agora não é mais. Restam apenas os vestígios de sua tridimensionalidade que se manifestam por suas dobras, vincos e recortes. Estes resquícios do que o suporte foi não atrapalham a apreensão da obra, antes contribuem na construção de sua poética. Vemos com eles e não apesar deles.

Parece haver uma velocidade na representação destas imagens proporcional à velocidade com que as embalagens são descartadas. Estas embalagens não são quaisquer, possuem estampas extremamente atrativas, adornadas de maneira a encherem nossos olhos.

Os trabalhos são muito diretos pelo enquadramento e pela composição frontal que trazem a figura para muito perto de nós. As cores vibrantes das estampas emprestam um caráter tropical a estes retratos/graffitis, nos quais se pode perceber também uma herança da pop arte.

As caixas que iriam para o lixo ganham um novo destino, uma nova razão de ser em sua visualidade e matéria. O suporte não é escolhido totalmente ao acaso. Renata acolhe os objetos rejeitados tendo em conta características como cor, forma, beleza. A artista concede um novo significado ao lixo que passa a ter estatuto de suporte.

Nesta exposição Renata adota uma atitude bastante generosa ao re-significar o lixo e devolvê-lo ao espaço público de onde vieram. Desta forma a beleza destas obras será ampliada ao tornarem-se mais abrangentes.

‘retrato/graffiti’, 140x43 cm, tintas latex e spray sobre caixa de papelão desmontada, 2007
‘retrato/graffiti’, 140×43 cm, tintas latex e spray sobre caixa de papelão desmontada, 2007

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