Revista Eletrônica um ponto e outro nº 06 – Martinho de Haro
Revista do programa de exposições do Museu Victor Meirelles
Biografia
Martinho de Haro (1907-195)
por Ylmar Corrêa Neto
Nasce em 11 de novembro de 1907 em São Joaquim da Costa da Serra, filho de Sílvia e Antonio Lopes de Haro .
Passa a infância e a adolescência entre São Joaquim, Lages e Campos Novos, municípios do planalto serrano catarinense, desde cedo demonstrando talento nato para o desenho. Em Campos Novos desperta o interesse do escritor Othon Gama D’Eça, então Juiz de Direito local, e do Desembargador José Boiteux que promovem sua primeira exposição individual. Vinte e sete quadros com títulos como “Sobrado Colonial”, “No pouso”, “Tapuia” ou “Jogadores” são expostos em 1927 na Salão do Conselho Municipal de Florianópolis. Graças ao patrocínio do Governador Adolpho Konder, o adolescente Martinho é enviado ao Rio de Janeiro para aperfeiçoamento na Escola Nacional de Belas Artes, sendo aprovado no concurso de admissão daquele mesmo ano.
Seguem-se anos de formação acadêmica, aluno de Cunha Melo, Rodolfo Chambelland e Henrique Cavalleiro. A partir de 1928 passa a participar dos salões de belas artes, sendo agraciado com Menção Honrosa de 1º. Grau na exposição de 1930 com “Mocinha de Subúrbio”, Medalha de Bronze na exposição de 1933 com um retrato do caricaturista Álvarus, Medalha de Prata no salão de 1934 com “Tocador de Acordeon” e, Viagem ao Exterior no salão de 1937 com “Depois do Rodeio”, maior prêmio da pintura acadêmica brasileira. No Rio, colabora com Eliseu Visconti na pintura do friso do proscênio do Teatro Municipal e com Timóteo da Costa na Igreja de Nossa Senhora de Pompéia, no Engenho Novo. Simultaneamente às atividades da Academia, Martinho se interessa pela arte moderna, sendo o único aluno a expor na sessão moderna do Salão de 1931, dito Revolucionário, participa do Salão de Vanguarda do Palace Hotel, e se aproxima do Núcleo Bernadelli, ao lado de Lechowsky, Pancetti, Dacosta, Sigaud e Tenreiro.
Em 23 de maio de 1938 casa-se com Maria Palma, conterrânea de São Joaquim, antes de embarcar para a Europa.
O Prêmio de Viagem o leva à Academia de la Grande Chaumière, em Paris, onde estuda com Othon Friesz, fauvista histórico, então cezannista. Em Paris convive com Di Cavalcanti, Noemia Mourão, Mario Pedrosa e Teruz, frequenta museus e exposições (Picasso, Marquet, Vlaminck, Derain), mas tem sua permanência abruptamente encurtada pela guerra em 1939, impossibilitando as planejadas viagens à Holanda e Itália.
Em 1939, ainda em Paris, nasce Rodrigo, seu primeiro filho e futuro pintor. No Brasil nascem Silvia, Martim Afonso, André e Isolda.
De volta ao Brasil se fixa em Santa Catarina, inicialmente em São Joaquim, mas a partir de 1942 opta definitivamente por Florianópolis. Se nos anos 30 se notabiliza pela pintura de retratos, nus e tipos regionais, nos anos quarenta passa a representar a paisagem local. A araucária joaquinense vai sendo substituída pelo casario e marinhas florianopolitanos, as caboclas dos engenhos de farinha de mandioca do interior da Ilha de Santa Catarina substituem os gaúchos.
Auto-exilado em um ambiente provinciano, vive de retratos, de aulas de desenho nos atuais Instituto Estadual de Educação e Escola Técnica Federal de Santa Catarina, e de encomendas oficiais como os dezessete murais da Legião Brasileira de Assistência, de 1945, representando a Arca de Noé, o Negrinho do Pastoreio e folguedos infantis. O isolamento lhe permite consolidar os anos de aprendizado e desenvolver sua linguagem particular, lírica e contemplativa.
A arte moderna só chega à Santa Catarina em 1948 com a “Exposição de Pintura Contemporânea” trazida por Marques Rebelo. Entre Segall, Portinari, Di Cavalcanti ou Iberê Camargo; Derain, Dufy, Vlaminck, Leger ou Arpad Szenes, duas obras catarinenses, uma de Eduardo Dias e outra de Martinho de Haro.
Em 1952, no Grupo Escolar Modelo Dias Velho, expõe pela primeira vez em Florianópolis depois do período carioca e parisiense. Aquela que seria sua maior individual é composta por quarenta e três óleos representando paisagens, marinhas, retratos e naturezas mortas.
Os anos 50 são marcados pela colaboração com o grupo moderno local que editava a revista Sul, a execução em 1954 de dois painéis com vistas panorâmicas de Florianópolis para o Teatro Álvaro de Carvalho, e sua atuação como diretor do Museu de Arte Moderna de Florianópolis entre 1955 e 1958, atual Museu de Arte de Santa Catarina. Durante sua gestão consegue importantes doações para o museu fundado em 1949, incluindo obras de Pancetti, Volpi, Bonadei, Dacosta e Guignard.
Na década de 1970 mantém Florianópolis como temática principal, exibindo em 1963 cerca de vinte telas no Palácio das Diretorias e, em 1967, 25 obras na redação do jornal O Estado. A vida pessoal é marcada pelo falecimento da filha Isolda, com cinco anos, vítima de atropelamento em 1964.
Um exposição em 1970, na Galeria Seta em São Paulo, marca o início de uma nova fase na carreira de Martinho, redescoberto pelo público e pela crítica (especialmente Walmir Ayala e José Roberto Teixeira Leite) do eixo Rio-São Paulo, cerca de 30 anos depois do Prêmio Viagem ao Exterior. Seguem-se uma série de individuais no Rio de Janeiro: Galeria Chica da Silva em 1972, Galerie de L’Alliance em 1973 (com Rodrigo), Galeria da Praça em 1974, culminando com a comemoração de seus cinquenta anos de pintura na Trevo Galeria de Arte em 1980. Entre as coletivas na década de setenta destaca-se “50 anos de Pintura Brasileira” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1971, “Arte Brasil Hoje: 50 anos Depois” na Galeria Collectio em São Paulo em 1972, e uma exposição com Franklin Cascaes no Clube Naval de Brasília em 1976.
Paralelamente à maior difusão de sua obra, Martinho volta a temas como nus, naturezas mortas e cavalos, sem abandonar as paisagens da Ilha de Santa Catarina. As tradições açorianas compõem o grande painel à óleo da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina em 1972. Em 1975 participa com artistas locais da fundação da Associação Catarinense de Artistas Plásticos, tornando-se seu primeiro presidente.
Nos anos oitenta participa do “14º. Panorama de Arte Atual Brasileira” no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1983, da exposição comemorativa ao “Salão de 31” na Funarte no Rio de Janeiro em 1984, e da coletiva “Arte de Santa Catarina” na Fundação Armando Álvares Penteado em São Paulo em 1984. Expõe com Rodrigo pela última vez em 1982, desenhos, na Galeria Lascaux em Florianópolis.
Martinho de Haro falece de problemas cardíacos em 23 de maio de 1985, aos 77 anos, após 70 anos de atividade artística ininterrupta.Viveu da pintura e para a pintura.